Por thiago.antunes

Rio - Em audiência com Marcelo Bretas, o ex-governador Sérgio Cabral fez referências às atividades comerciais da família do juiz. No filme 'O Poderoso Chefão 3', o mafioso Michael Corleone pergunta ao sobrinho: "O que você está fazendo com minha filha?". E emenda: "É perigoso demais!" Vincenzo pensa que o problema está em namorar a prima, filha do mafioso. Mas conclui: "Vincenzo, quando eles atacarem, atacarão o que você ama".

No início dos anos 80, estudante secundarista que pouco conhecia o Rio, tive um 'amigo' boa-praça, policial militar cordato e educado, acusado de pertencer ao 'Esquadrão da Morte'. Considerei uma injustiça. Fui ao seu julgamento no tribunal do júri e sentei-me ao lado do pai de seu advogado, que de algum modo se tornara amigo das testemunhas de acusação. Mas não ostentava esta qualidade.

Quando a irmã da vítima chegou, ele a abraçou e chamando-a de "minha filha", pediu-lhe que fosse cuidadosa no depoimento, que o réu era bom e não lhe faria mal. Mas os seus amigos poderiam fazer. E concluiu: "Eu não quero que nenhum mal lhe aconteça". A moça, chorando, não fez o reconhecimento do acusado, que foi absolvido. Ninguém que presenciasse a cena poderia imaginar que aquilo era uma ameaça. Mas era.

Afastei-me do 'amigo', mas mantive-me informado sobre o que ele e seus companheiros faziam, contratados por empresários e políticos ou por vezes extorquindo-lhes. Pude compreender o que é a violência policial e seu viés institucional. Mas, naquele tempo, tais grupos era mistos. Incluíam policiais, ex-policiais, bombeiros, militares das Forças Armadas e até civis.

A estatização da violência ilegítima no Rio ocorreu em meados dos anos 90, quando os grupos privados foram presos e eliminados. O tal policial trabalhou por anos na sala de operações do batalhão onde servia, sob acusações de pertencer a grupo de extermínio, mas protegido por seus superiores. Ao fim, foi executado por um colega da corporação, numa disputa por 'área de segurança'.

Em 1995, quando juiz eleitoral em Magé, uma deputada da Baixada Fluminense visitou a casa da minha avó em Minas Gerais e foi ao Fórum me dizer que a conhecera. Minha avó, que faleceu de causa natural no mesmo ano aos 86 anos, ficou encantada com a visita ilustre que tão bem falara do neto. No mesmo período, um político de família conhecida em Magé foi ao meu gabinete e me falou de sua amizade com um desembargador a quem doara um cavalo.

Ao encontrar o desembargador, ele se antecipou dizendo que o tal político era um maluco, que era afilhado de outro desembargador da Administração do Tribunal, e que chegara em sua fazenda com um cavalo de raça, "com certificado e tudo" e lhe presenteara. O que o político me disse, veladamente, era que tinha proteção dentro do tribunal. Não percebi que ambos me ameaçavam. Mas fatos posteriores demonstraram que o faziam.

A atividade comercial da família do juiz Marcelo Bretas, numa loja popular de miçangas, não se relaciona com o comércio de joias valiosas como as adquiridas pelo ex-governador. Da referência se denota que a rotina do juiz e de sua família pode estar sendo rastreada ou monitorada. Quem conhece ou estuda as práticas do submundo é capaz de decodificar seus códigos de comunicação.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, deferiu liminar suspendendo a transferência de Sérgio Cabral para outro estado. Efetivamente a transferência pode não implicar maior segurança para o juiz Marcelo Bretas e sua família. As organizações, de diversas naturezas, têm tentáculos e ramificações e a ameaça pode não ser apenas o acusado.

As declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, nesta semana, sobre critério para escolha de comandantes de batalhões, devem nos preocupar. Não houve referência às titularidades de delegacia de polícia. Nem mesmo de juízes eleitorais. Mas o ministro atua com os órgãos de inteligência e deve saber mais do que falou, contendo-se para não violar sigilos indispensáveis.

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito

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