Por thiago.antunes

Rio - Funcionário público há 13 anos, Filipe Moreira, 36, estava acostumado à estabilidade. Mas a incerteza da crise do estado fez o primeiro bailarino do Theatro Municipal se tornar motorista do aplicativo Uber para sobreviver. Como 208 mil servidores, ele e a esposa, a também bailarina Élida Brum, não receberam o salário de abril e o 13º de 2016.

Sem crédito, o casal não conseguia pagar aluguel, contas e o básico para sustentar o filho, de 6 anos. Para fazer corridas entre março e abril, Filipe teve que pegar o carro da mãe — o dele foi vendido, quando os pagamentos começaram a ser parcelados, no ano passado. Em maio, ele interrompeu a rotina no Uber para ensaiar para o próximo espetáculo, mas não descarta voltar ao volante se o salário não for normalizado.

Filipe é o único bailarino que já dançou todo o repertório do MunicipalÁlbum de família

Com o Municipal, o bailarino passou por países como Estados Unidos e Argentina. Como motorista do aplicativo, ele rodou por todo o Rio, até bairros mais perigosos. Em uma corrida no Jacaré, ele transportou um passageiro armado. “Ser motorista foi a melhor alternativa naquele momento de calamidade; só era preciso saber dirigir e ter a ficha limpa”, contou.

A situação de Filipe não é única entre os colegas do Municipal. Alguns se adaptaram a bicos de faxina ou optaram por vender bolos e sanduíches naturais; outros até recorreram a agiotas.

A família de Edifranc dos Santos, 36, primeiro solista, e Claudia Mota, 42, primeira bailarina, também depende do salário do governo. O casal tem feito outros trabalhos artísticos, mas nem todos podem continuar no ramo. As produções diminuíram a quase zero, diz Edifranc, presidente da Associação de Bailarinos.

“São profissionais que abandonaram a própria infância para chegar a esse nível de dança”, contou Santos.  

Uma das diretoras do corpo de baile, Ana Botafogo conta que o resultado inevitável é a fuga de talentos: “Três primeiros bailarinos já estão contratados em outras companhias. Não podemos retê-los, eles têm que se apresentar. A dança é o vigor físico, é o momento”.

Mesmo sem receber, o corpo de baile, o coro e a orquestra se reuniram para montar ‘Carmina Burana’, primeira produção própria do Municipal no ano. As apresentações ocorrem de 15 a 20 de junho, com ingressos a partir de R$10. “É um sacrifício, mas temos que mostrar nossa arte”, disse Ana.

Reportagem da estagiária Alessandra Monnerat, com supervisão de Claudio de Souza

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