Por thiago.antunes

Rio - Olhe para a foto desta matéria: Rua Paulino Fernandes, Botafogo, 13h de sexta-feira. Uns 15 carros aguardam em fila única o sinal do cruzamento com a Voluntários da Pátria, também engarrafada. Surge o verde lá longe. Ninguém move um centímetro. O que você faz? Aguarda? Estica o pescoço para ver por que os veículos não andam? Ou enterra a mão na buzina? Se você é dos barulhentos, dê uma olhada na ilustração ao lado (e na descrição embaixo) e veja em quantas situações você se reconhece. Foram cinco ou mais? Você é um 'dono da rua'. Melhor rever seus conceitos.

Imensa fila de carros em sinal em Botafogo%2C cenário ideal para a buzinaEduardo Pierre / Agência O Dia

Não que o trânsito ajude. Recente pesquisa botou a Cidade Maravilhosa no topo do ranking das metrópoles mais 'agarradas' no vaivém das ruas e avenidas. E isso tem um preço. "No Rio de Janeiro, o que mais pesa é a sensação de frustração do motorista. Basicamente, quando a pessoa tem uma expectativa e ela, no trânsito, está ligada a conseguir chegar a algum lugar no tempo necessário, quando percebe que não vai conseguir ela tende a se frustrar", explica o psiquiatra Jorge Jaber. Daí vêm o estresse e todas as 'novas síndromes' ao volante (abusar do farol alto é uma delas), além das multas mais comuns no estado, como enfiar o pé no acelerador como se não houvesse amanhã ou um radar à espreita.

Mas de que modo ser hostil dirigindo representa risco? Para Luiz Gustavo Campos, diretor e especialista em trânsito da Perkons, o sinal de (pisca) alerta deve ser ligado quando o mau comportamento ameaça a integridade física a própria ou a de terceiros. "Priorizar o individual, sentir-se o 'dono da rua' e 'liberado' para extravasar ânimos e fazer o que melhor lhe convém, mesmo que isso seja pior para os outros, prejudica todo o trânsito", destaca. "A rua é espaço público, democrático e coletivo. Enquanto não for entendido e vivenciado dessa maneira, teremos multas, acidentes e mortes", acrescenta Luiz Augusto Campos.

"O comportamento hostil e agressivo no trânsito é incompatível com os objetivos do nosso Código, que visam a um trânsito seguro e confortável", assinala Armando de Souza, presidente da Comissão de Estudos de Trânsito da OAB. O psiquiatra Jorge Jaber faz coro. "A hostilidade é o grau máximo da agressividade. A hostilidade é perigosa, ela envolve a possibilidade do homicídio doloso; ao ser hostil, o mau motorista toma uma atitude de condução perigosa."

Quem deveria dar exemplo muitas vezes é sinônimo de irritação: o motorista de ônibus. "As condições de trabalho são extremamente impróprias. A pressão sobre ele é maior em relação aos outros condutores. O motorista de ônibus trabalha ao lado de amadores, é uma das únicas categorias em que o local de trabalho tem pessoas que não são profissionais. Quem dirige ônibus deveria ser mais protegido na sua saúde física e mental", defende Jaber.

Onde entram as multas e a educação?

De janeiro a setembro deste ano, o Detran-RJ contabilizou pouco mais de dois milhões de multas, e mais da metade foi por velocidade. Por que elas não 'curam' as síndromes no trânsito? Os especialistas ouvidos pelo DIA destacam a importância da educação continuada. "A infração é uma espécie de castigo eficaz; porém, em transtornos do comportamento, que envolvem sofrimento psicológico, é mais importante educar do que punir. O pensamento moderno mundial não é de punir, é de ensinar!", frisa o psiquiatra Jorge Jaber.

Luiz Gustavo Campos concorda. "Muito já se falou sobre educação para o trânsito nas escolas. É um caminho. Melhoria na formação de futuros condutores também é discussão antiga e tem avançado", explica. O diretor da Perkons dá uma sugestão: "A obrigatoriedade do uso de simuladores de condução nas autoescolas. Trânsito e educação para ele deve ser assunto diário, em casa, na escola, nas empresas, no almoço e no jantar", ressalta.

Esta semana, o Contran liberou o pagamento de multas no cartão. Campos e Armando de Souza, da OAB, não creem que a novidade estimule maus motoristas. Jaber pontua: "Se o condutor for avisado de imediato de que está sendo multado e se ele desembolsar de imediato, é um fator que não é agressivo, mas que leva a um sentimento de culpa pela perda financeira. É um fator educador que não é um castigo maior, mas faz com que a pessoa se lembre mais próximo da infração do erro cometido".

Identifique-se

As novas síndromes do trânsitoArte%3A O Dia

1) Afã de largada

Transforma qualquer fila de carros parados no semáforo em grid de Fórmula-1. O verde é a senha para acelerar, e ai de quem não se mover em três segundos.

2) Antifotofobia

Quanto mais claro, melhor; e nada mais perfeito que o farol alto para demonstrar quem é que manda. Mesmo de dia. A luz parece mover montanhas.

3) Cãibra de seta

Incapacidade pontual na mão esquerda de levantar ou abaixar a alavanca. Quem estiver do lado de fora que veja as rodas mudarem de eixo.

4) Cegueira de altruísmo

Bloqueia a visão para quem pede a vez para mudar de faixa e passar. Dane-se quem ficou preso atrás de um caminhão de lixo e tenta sair. Que espere.

5) Daltonismo temporário

O semáforo acabou de fechar, mas parece que a luz não está vermelha o bastante, então não tem problema avançar.

6) Multitarefose

O tempo anda tão curto que cada segundo não pode ser desperdiçado. Daí o carro serve para ouvir áudios do zap, ver e postar 'stories' e entrar em polêmicas do Face.

7) Torcicolo agudo inquisidor

Girar o pescoço para ver, em outro carro, quem ousa atrapalhar o trânsito e encontrar desculpa para tal acinte se é mulher, tiozão, idoso, japa, negro, jovem ou 'quatro-olhos'. Tem a variante de olhar se a placa é 'de fora'.

8) Verborragia buzinadora

Qualidade máxima para a 'comunicação' no asfalto hoje. E só vale se a mão pesar na buzina por mais de três segundos. Menos que isso é fraqueza. Pode e deve ser usada com a antifotofobia.

Com reportagem do estagiário Matheus Santana

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