Os quilombolas são remanescentes de africanos e descendentes destes escravizados, e que representam um segmento importante dos africanos que foram arrancados à força de seus territórios originais na África pelo tráfico escravagistaReprodução/Terra de Direitos
Por O Dia
Publicado 10/05/2021 11:13 | Atualizado 10/05/2021 11:17
Rio - A pandemia da covid-19 agravou o desafio posto para as políticas de segurança alimentar e nutricional especificamente concebidas para os grupos que permanecem em estado de vulnerabilidade, como as comunidades quilombolas, cujo acesso e permanência em seus territórios tradicionais é primordial. Os quilombolas são um dos grupos sociais mais afetados pela insegurança alimentar e pela fome.
O Termo de Execução decentralizada nº3/2020 (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) é um exemplo da insuficiência das ações do governo federal diante da grave vulnerabilidade vivenciada pelos quilombolas e povos indígenas durante o primeiro semestre do ano de 2020. A iniciativa consistiu na distribuição de duas cestas básicas de 20 kg de alimentos por família, em ação única.

Segundo a composição da cesta proposta, o aporte calórico por família seria de aproximadamente 170.000 calorias. Esta quantidade de calorias, sem falar nos nutrientes específicos, corresponderia às necessidades calóricas de 60 dias de um adulto, com atividade de moderada a intensa. Considerando-se que a maior parte das famílias quilombolas e indígenas tem no mínimo 4 a 5 membros, a suplementação não garantiu o estado nutricional adequado das famílias que receberam as cestas, sendo insuficientes para reduzir a vulnerabilidade das famílias em face da covid-19.
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O direito humano à alimentação e à nutrição adequadas é um direito reconhecido no artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos, consistindo em duas dimensões principais: o direito de estar livre da fome e o direito a uma alimentação adequada. Mas do papel à prática, o caminho é longo.

“Não temos acesso à água potável, nem saneamento básico. Na nossa terra, tem nove poços furados, a água passa na nossa porta, mas não temos direito a ela, que se destina a abastecer Salvador e é paga. Cesta básica não recebemos desde setembro do ano passado. Nossa renda vem da pesca, agricultura e artesanato. Sem as feiras, não temos renda e não conseguimos nos manter com o mínimo. Estamos passando fome e vemos cada vez mais o descaso do governo com o nosso povo. Pra mim, estão querendo matar o povo quilombola. Estamos à mercê de Deus, o único que pode olhar por nós neste momento”, afirmou Bernadete Pacífico, 70 anos, do Quilombo Pitanga dos Palmares, Bahia.

Os dados existentes sobre o quadro de insegurança alimentar, de acesso insuficiente a água potável e saneamento básico, sobre a precariedade do acesso a serviços de saúde e outros serviços públicos essenciais deveriam ser suficientes para provocar uma ação emergencial por parte das autoridades públicas responsáveis. A omissão destas consiste em clara violação de suas obrigações quanto à garantia de direitos fundamentais a estas populações e justificam a demanda feita pela CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), de que seja determinado à União Federal que elabore e implemente um Plano Nacional de Combate aos efeitos da pandemia da covid-19 nas comunidades quilombolas.
Para a ONG Terra de Direitos, organização que atua na promoção e defesa de direitos humanos, o risco de cancelamento do Censo 2021 compromete ainda mais a geração e execução de políticas públicas para comunidades quilombolas. A análise da situação de Segurança Alimentar e Nutricional dos povos e comunidades tradicionais enfrenta dificuldades relacionadas à histórica exclusão social e invisibilidade a que foram submetidos, o que impede melhor percepção de suas condições alimentares e necessidades, ainda atualmente. Agregam-se a isto a sua diversidade e particularidade étnico-cultural, que exigem intervenções de políticas públicas para atender suas demandas.

“Nossas águas são de poço. A escassez de chuva é um fator que influencia a oferta de água. Capturamos e tratamos essa água. Temos moradores que trabalham fora e perderam o emprego. Os que trabalham na comunidade, com agricultura, não conseguem mais vender nas cidades. A pandemia não foi fácil para ninguém, mas acho que temos que tentar superar e enfrentar o problema. Tivemos que reorganizar a comunidade e nos adaptar”, relatou Josineia Serafim Blandino, da comunidade Angelim do Meio, no município capixaba de Conceição da Barra.

Entre os quilombolas, os fatores determinantes da insegurança alimentar além das limitações para o acesso à terra, também incluem o preconceito e racismo institucional, baixa renda, desemprego, baixa escolaridade e pouco ou nulo acesso a programas sociais, ausência de assistência financeira e técnica para produção de alimentos.
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Embora a escravidão tenha sido abolida em 1888, as comunidades constituídas predominantemente de negros e pardos continuam a sofrer as consequências da exclusão e discriminação estrutural, especialmente aquelas vivendo em situação de comunidade quilombola. Estas comunidades estão distribuídas pelo território nacional, em um grau significativo de isolamento social, com dificuldade de acesso a serviços públicos essenciais e a políticas públicas de inclusão.
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