"Eu defendo a liberdade das pessoas, mas também a responsabilização", disse a médica.Jefferson Rudy/Agência Senado
Por ESTADÃO CONTEÚDO
Publicado 02/06/2021 12:29 | Atualizado 02/06/2021 16:31
A médica Luana Araújo afirmou nesta quarta-feira, 2, à CPI da Covid que nunca conversou com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sobre o tratamento precoce para a covid enquanto esteve na pasta. Ela chamou a discussão de "delirante, esdrúxula e contraproducente". Luana deixou a equipe de Queiroga dez dias após ter sido anunciada para o cargo, em razão de sua nomeação não ter sido aprovada.
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Para ela, o Brasil ainda está na "vanguarda da estupidez" em vários aspectos no combate à pandemia, porque continua a discutir questões que não teriam "nenhum cabimento", como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. "Ainda estamos discutindo de qual borda da terra nós vamos pular", ironizou em referência a teoria terraplanista.

"Estamos discutindo algo que é um ponto pacificado para o mundo inteiro. É preciso que a gente aprenda com outros lugares", disse. Em sua fala inicial, a médica afirmou ser muito perigoso o Brasil abra mão do intercâmbio de informações com outros países, cedendo "a mistura aflitiva de falta de informações, desespero e arrogância". "Pode ser letal", disse.

"Isso (tratamento precoce) não foi nenhuma discussão. Esse assunto nunca existiu entre nós. A nossa discussão é em outro nível", disse ela sobre a relação que teve com Queiroga durante a passagem pelo ministério.

Ameaças

Luana ainda relatou que, antes mesmo do episódio, e depois, sofreu várias ameaças nas redes sociais. "Depois disso (de passar pelo ministério) já tentaram até divulgar meu endereço pela internet", afirmou.

Autonomia médica

A médica infectologista também disse na CPI que "qualquer pessoa", independente de cargo ou posição social, que defende métodos sem comprovação científica para o tratamento doenças, tem "responsabilidade sobre o que acontece depois". Luana também reforçou que a autonomia médica, apesar de fazer parte da prática, "não é licença para experimentação".
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Ela relatou ter afirmado a Queiroga que só aceitaria o convite se lhe fossem garantidas a autonomia necessária e respeitadas a cientificidade e tecnicidade. "Pleiteei autonomia, não insubordinação ou anarquia Precisaria ter autonomia necessária para agir, no que fui prontamente respondida pelo ministro de forma afirmativa e concreta", afirmou ela.

Ainda sobre a autonomia médica, preceito usado como argumento pelo Executivo para defesa do uso de fármacos sem a eficácia comprovada para o tratamento da covid-19, a infectologista afirmou que a autonomia, apesar de precisar ser defendida, necessita ser amparada com base em alguns pilares. "O pilar da plausibilidade teórica do uso daquela medicação, do volume de conhecimento científico acumulado até aquele momento sobre aquele assunto, no pilar da ética e no pilar da responsabilização" afirmou.

"Existe um aumento da mortalidade com o uso de cloroquina e hidroxicloroquina", afirmou a médica, citando estudos de análise realizados sobre o fármaco. "Quando a gente transforma isso numa decisão pessoal é uma coisa, quando você transforma isso numa política pública, é outra", declarou Luana.

Inquirida sobre quais impactos sociais têm declarações como as do presidente da República, Jair Bolsonaro, na defesa de métodos como o tratamento precoce, mesmo sem eficácia comprovada, Luana afirmou que quando se faz defesa de algo sem comprovação científica, como ele, "você expõe as pessoas do seu grupo a uma situação de extrema vulnerabilidade".
Em fala enfática sobre a necessidade de combater a pandemia com medidas técnicas e científicas, Luana afirmou ser "imperativo" que se deixe de lado o que "não presta mais". "Pelos nossos erros perdemos a confiança do povo", disse a médica. "Ciência não tem lado, é bem ou mal feita. É ferramenta de produção de conhecimento pra servir a população. Essa distância ou oposição entre populações e ciência não existe. Ciência deve ser protegida. Vivência de crise sanitária complexa e gigantesca exige resposta multifatorial", disse a médica.

Ela disse ainda que, quando convidada por Queiroga para falar sobre o posto na Saúde, o ministro lhe apresentou um projeto sólido, baseado em evidências, "de superação desses obstáculos no contexto brasileiro". "Uma necessidade de alguém técnico e competente, uma secretaria técnica, um desejo antigo seu (de Queiroga). Sua apresentação foi consonante aos meus valores", disse.

"320 dias, mais de 320 dias. Esse seria o tempo que teríamos que ficar quietos para respeitar um minuto de silêncio para cada uma das mais de 460 mil mortes pelo covid-19", começou dizendo aos senadores. "Isso é intolerável, e toda pessoa deve fazer o que estiver a seu alcance para impedir essa hecatombe", declarou.

TrateCov

A médica comentou, como especialista, sobre sua avaliação do aplicativo TrateCov, plataforma que recomendava o uso de antibióticos, cloroquina, ivermectina e outros fármacos para náusea e diarreia ou para sintomas de uma ressaca, como fadiga e dor de cabeça, inclusive para bebês para o tratamento de covid. Para a médica, "algoritmos técnicos que auxiliem os médicos principalmente em situação de faltas de recursos, são importantes. O que eles não podem é apontar para terapias que não funcionem", disse.

Luana também afirmou que, se novamente convidada para ocupar o cargo de Secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, ela não aceitaria a posição.
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Nise Yamaguchi

O começo dos trabalhos da CPI da Covid, nesta manhã, foi dedicado à avaliação de senadores sobre a oitiva da médica Nise Yamaguchi, que prestou depoimento ontem ao colegiado. Enquanto membros governistas do colegiado reclamaram do tratamento dado a médica, senadores responsáveis pelos questionamentos mais duros à especialista defenderam que Nise não poderia "mentir deliberadamente" sem ser confrontada.

Governistas, como Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI), reclamaram das interrupções ao depoimento da médica. Entre os principais pontos de reclamação dos governistas, estava a série de perguntas do senador e médico Otto Alencar (PSD-BA), que confrontou a médica com uma série de questões técnicas Nise não soube responder.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que também figurou entre os que fizeram questionamentos mais duros à médica, defendeu que qualquer cidadão que comparece ao parlamento para "deliberadamente enganar, mentir, omitir" será confrontado com dados. "Um eventual momento de um exagero de retórica não vai deixar, não vai eclipsar, não vai ocultar o fato", disse o parlamentar, afirmando que Nise compareceu ao senado para "desinformar".

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) concordou com Vieira. Para o cearense é "surpreendente" que defensores do presidente Jair Bolsonaro fiquem "surpresos com as intervenções técnicas" feitas a Nise nesta terça-feira, enquanto o presidente continua a continuar a usar "grosserias" e "palavras de baixo calão" para atacar seus adversários.
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