Tratamentos foram feitos sem autorização ou informação dada a pacientes Reprodução
Publicado 16/09/2021 11:03 | Atualizado 16/09/2021 12:01
Na mira da CPI da Covid, a operadora Prevent Senior ocultou mortes de pacientes que participaram de um estudo realizado para testar a eficácia da hidroxicloroquina, associada à azitromicina, no tratamento de pacientes com covid-19. O depoimento do diretor executivo da Prevent, Pedro Benedito Batista Júnior, à CPI estava marcado para esta quinta-feira, 16. No entanto, ele não compareceu à sessão, sob alegação de que não houve tempo hábil para garantir sua presença no Senado.

Segundo informações descobertas pela GloboNews, o estudo foi apoiado por Jair Bolsonaro (sem partido) e também é utilizado por defensores do medicamento para justificar sua prescrição.

Um documento elaborado por médicos e ex-médicos da Prevent foi enviado à CPI da Covid. Segundo o ofício, a disseminação da cloroquina e outras medicações foi resultado de um acordo entre o governo Bolsonaro e a Prevent. O estudo realizado pela empresa também foi resultado de um acordo.

Ex-funcionários da Prevent também informaram terem sido forçados a trabalhar mesmo acometidos pela covid-19. Além disso, a empresa obrigava o teste do chamado "kit Covid" em "cobaias humanas".

Um ex-médico da Prevent afirmou ainda que o estudo foi manipulado para demonstrar a eficácia da cloroquina. Segundo ele, o resultado já estava pronto bem antes da conclusão do estudo.

A reportagem da Globonews teve acesso à planilha com informações de todos os participantes do estudo. Nove deles morreram durante a pesquisa, mas os autores só mencionaram duas mortes.

A pesquisa teve início no dia 25 de março. A orientação do diretor da Prevent, Fernando Oikawa, era de não avisar os pacientes e familiares sobre a medicação.

"Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa”, dizia mensagem do diretor.

Dentre os nove pacientes que morreram, seis estavam no grupo que tomou hidroxicloroquina e azitromicina. Dois estavam no grupo que não ingeriu as medicações. Há um paciente cuja tabela não informa se ingeriu ou não a medicação.

Ou seja, houve pelo menos o dobro de mortes entre os participantes que tomaram os fármacos.

Articulação

O primeiro documento relativo ao estudo foi divulgado em 15 de abril de 2020. No artigo, o coordenador do estudo, o cardiologista Rodrigo Esper, diretor da Prevent Senior, menciona a ocorrência de apenas duas mortes no grupo que usou as medicações. Os óbitos, segundo o artigo, foram provocados por outras doenças, sem relação com o coronavírus ou com as medicações. As duas mortes, segundo o coordenador, ocorreram devido a um caso de síndrome coronariana aguda e câncer metastático. No entanto, não há, entre as vítimas, ninguém com as doenças mencionadas.

Bolsonaro chegou a comentar o estudo da Prevent Senior três dias depois. Em postagem, no dia 18 de abril, o presidente mencionou a ocorrência de cinco mortes entre os pacientes do estudo que não tomaram cloroquina e nenhum óbito entre os que ingeriram as medicações.

No entanto, no dia 19 de abril, Rodrigo Esper postou um áudio no grupo de pesquisadores com orientações quanto à revisão dos dados dos pacientes. Ou seja, quatro dias depois da publicação do artigo científico com os resultados, não havia sido concluída a revisão.

No áudio, ele cita o presidente e acrescenta que os dados precisam ser "assertivos", "perfeitos", para que não haja contestação.

O estudo chegou a ser submetido à Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e aprovado, mas o órgão suspendeu a pesquisa por constatar que a investigação começou a ser feita antes da aprovação legal. O estudo, no entanto, é até hoje usado pela Prevent Senior para justificar a prescrição da cloroquina aos seus associados.

Subnotificação de óbitos

Além disso, também há indícios de que a operadora subnotificou mortes por covid ocorridas em suas unidades.

Em uma mensagem enviada a grupos de aplicativos, outro diretor da Prevent determina aos coordenadores das unidades que alterem o código de diagnóstico (CID) dos pacientes que deram entrada com covid-19 após algumas semanas de internação. A justificativa é viabilizar o isolamento dos pacientes, mas a alteração do CID, segundo a médica, faz com que o diagnóstico de Covid desapareça de um eventual registro de óbito.

A reportagem conseguiu comprovar dois casos em que a covid foi omitida da declaração de óbito dos pacientes. O primeiro deles é de um homem que foi internado em novembro de 2020 na unidade da Prevent Senior do Itaim, Zona Sul da capital paulista.
Ele já havia ingerido medicações do chamado "kit covid" e voltou a recebê-las no hospital. O paciente também foi submetido a cerca de 20 sessões de ozonioterapia, que só pode ser feita em pesquisas experimentais por instituições credenciadas. A Prevent, no entanto, não está.

O paciente ficou dois meses internado e morreu após ter uma hemorragia digestiva. A Covid, doença que desencadeou a morte, foi omitida da declaração de óbito dele.

O outro caso é de uma paciente que também morreu após ficar internada na Prevent Senior para tratar um quadro de Covid. Ela recebeu as medicações do kit Covid, mas o quadro não melhorou. Na declaração de óbito, a Covid também foi omitida.

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