Governador do Estado afirmou que esse é o maior desastre natural da históriaDivulgação/Governo da Bahia
Publicado 31/12/2021 11:42
Os fenômenos extremos como as devastações registradas neste mês de dezembro, na Bahia, devem se tornar mais frequentes diante das mudanças climáticas que ocorrem em todo o planeta. Mas os danos podem ser atenuados se os gestores públicos investirem em planejamento urbano.

Isso porque, segundo especialistas, habitações em áreas impróprias, como nas beiras dos rios, somadas a um processo histórico de desigualdades, pressão por ampliação do perímetro urbano e uma visão da terra como mera mercadoria, entre outras questões, favorecem a destruição de casas, comércios e até a perda de vidas em condições mais vulneráveis.
"Grande parte desses eventos que ocorreram aí na Bahia, eles se agigantaram porque grande parte da população vive na planície de inundação, onde não deveria ocupar, onde o poder público deveria estar atento e planejar as suas cidades pra que a não-ocupação da beira de rios, das encostas, dos fundos de vale seja uma regra", analisa o professor Jémison Mattos, doutor em Geografia, com estudos voltados para a área de ordenamento territorial e ambiental.
Ele pontua que o processo de urbanização no Brasil ocorreu de forma acelerada, concentrado nas grandes e médias cidades, com poucas delas planejadas adequadamente para abrigar sua população. Como agravante, Mattos argumenta que o sistema capitalista vem ao longo do tempo "agudizando as problemáticas socio-ambientais".
Fortes chuvas causam enchentes na Bahia desde o fim de novembroManu Dias/GOVBA
"Para muitos desses planos diretores elaborados para as cidades, terra é somente mercadoria. Se ignora por muitas vezes a função social da terra. Isso implica em cidades desiguais. Por isso que algumas cidades sofreram mais os efeitos dessas inundações, dessas chuvas intensas do que outras", argumenta o professor.
Esse entendimento é semelhante ao da urbanista Juliana Franca Paes, especialista em planejamento urbano e desenvolvimento territorial. Para ela, repensar a formação dos municípios e a ocupação dos espaços é “mais do que urgente e necessário”, especialmente para acolher a população mais socialmente vulnerável que fica à mercê de construções irregulares.
"As pessoas não moram em lugares ruins porque querem, é porque elas não têm outra opção", ressalta Juliana, também integrante do programa Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) Mulher Bahia. "As nossas cidades, acompanhadas do processo de urbanização denso sofrido nos últimos 40, 50 anos, favelizaram muito, empobreceram muito. Então, esse é um diagnóstico muito claro que a gente tem que ter e é necessário, sim, planejar a ocupação do território pra que a gente evite ocupações desordenadas e condições que coloquem a população em situação de insegurança", acrescenta.
O cenário instável e inseguro relatado pela urbanista foi o que trouxe maior risco no período em que o estado registrou seu maior volume de chuva para o mês de dezembro em 32 anos. Em meio aos resgates de helicóptero e jet-ski, autoridades públicas correram para evacuar os residentes das comunidades ribeirinhas e evitar que a tragédia tivesse dimensões piores.
 
 
Só nesta semana, o Corpo de Bombeiros emitiu um alerta para os ribeirinhos de quatro municípios. Antes da corporação, a prefeita de Vitória da Conquista, Sheila Lemos (DEM), fez um pedido parecido diante do risco de novas enchentes com o possível rompimento de uma barragem, em Minas Gerais.
Efeitos do aquecimento global
Por ora, as chuvas estiaram na Bahia, mas a devastação se arrasta por Minas e Goiás. No primeiro, seis pessoas já perderam a vida e mais de 90 cidades estão em situação de emergência. Já no estado do Centro-Oeste, pontes foram destruídas e cerca de 400 famílias ficaram ilhadas.
Tais destruições são decorrentes de um conjunto de fatores que culminaram na Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um corredor de umidade que faz com que as chuvas fiquem "estacionadas" por dias sobre as mesmas áreas. A ocorrência do ZCAS é comum no Brasil durante o verão, mas não na Bahia.
Sua formação no estado, duas vezes ao longo do mês, se deve à junção do La Niña, fenômeno que tende a trazer chuva intensa para o Norte e Nordeste do Brasil e é caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico e pelo aumento de temperatura também no oceano Atlântico. Esses eventos, entretanto, não estão isolados, pois ocorrem num contexto de aquecimento global, com a temperatura média dos oceanos elevada. A consequência é a maior probabilidade de ocorrer fenômenos extremos, como explica o geógrafo e professor do Instituto Federal Baiano (IFBAIANO), José Rodrigues.
“A pequena subida na temperatura geral da atmosfera, do planeta, vai causar um degelo, vai causar não só uma expansão da própria massa de água do oceano, como também a expansão da massa líquida e com essa evaporação maior por conta de uma maior temperatura, fenômenos como esse vão formar células de alta e baixa pressão e assim acelerar os ventos, tornando então mais intensas não só as ondas de maré, como também as ondas causadas pelos ventos fortes”, detalha o professor, que é doutor em Geologia Marinha e especialista em Gerenciamento Costeiro. 
Conforme Rodrigues esclarece, esse fenômeno chega na costa com força maior, a altura de onda maior e o resultado é o que os cidadãos têm presenciado nos episódios de catástrofes.  “Ela [a onda] vai barrar as águas dos rios e se coincidir com o momento de muita chuva, então a água do rio não consegue sair como se fosse uma barragem por essa maré meteorológica, vamos dizer assim, fazendo com que as inundações sejam ainda maiores", exemplifica.
Por conta dessas projeções, o professor afirma que se os eventos extremos levavam antes 20 ou 30 anos para se repetir, essa frequência pode aumentar para cinco em cinco anos ou até menos tempo. Desse modo, as sociedades precisam se dedicar à elaboração de um plano diretor, mecanismo obrigatório que reúne orientações sobre o uso do solo, à adaptação desses planos às mudanças climáticas e também à criação de planos de bacias hidrográficas.
"Todo esse fenômeno meteorológico vai ter impacto na superfície, no relevo, na bacia hidrográfica. Se essa bacia não tem um plano de gestão e ela está sendo assoreada, está havendo algum tipo de atividade danosa ao meio ambiente. Se as margens não tem mais a mata ciliar e está assoreado, então a água que chegar não vai poder escoar dentro do rio, ela vai se espalhar ainda mais porque ele está mais raso. Ela vai invadir áreas ainda mais distantes do leito do rio, aumentando a chance de causar esses impactos sobre as lavouras e sobre as cidades", explica, ao defender a necessidade do plano.
Reconstrução das cidades
Diante de tal calamidade e da urgência de construção e reconstrução das casas destruídas — números atualizados na quinta-feira, 30, pela Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) indicam que além de 25 mortos e 517 feridos, 37.035 pessoas estão desabrigadas e 54.771 desalojadas —, o governo estadual começou a anunciar medidas para devolver um lar às famílias atingidas.
Em visita ao município de Wenceslau Guimarães, o governador Rui Costa (PT) disse que tem proposto aos prefeitos que localizem terrenos mais altos, "se possível algum platô", para que as obras possam ser iniciadas. O objetivo é abrigar as pessoas que antes viviam à beira dos rios, já que os imóveis delas ficaram quase submersos e serão demolidos.
Quanto a isso, um caminho para reerguer as cidades afetadas passa pelas soluções com base na natureza. "As palavras de ordem são equidade, responsabilidade, segurança climática planetária e desenvolvimento limpo", resume o professor Jémison Mattos, adepto dessa perspectiva. De acordo com ele, as ações de reparação devem renaturalizar os rios, ao invés de tampona-los, fazer arborização urbana e melhorar a rede de estações meteorológicas, entre outras medidas.
Leia mais