Publicado 20/06/2022 13:43
Santa Catarina — Uma juíza de Santa Catarina induziu uma criança de 11 anos a permanecer grávida após ser vítima de um estupro. A menina vem sendo mantida em um abrigo há cerca de um mês, depois de ir à Justiça solicitar o direito de um abordo legal, permitido pela legislação em casos de abuso sexual. Ela havia procurado um hospital dois dias após a descoberta da gravidez, mas a equipe médica se recusou a realizar o procedimento, permitido apenas até 20 semanas (em caso de risco à vida da gestante) pelas normas da unidade de saúde. A menina estava com 22 semana e dois dias de gestação.
O caso foi divulgado pelo The Intercept nesta segunda-feira. A situação da menina, que tinha 10 anos quando procurou atendimento médico, foi encaminhada para a juíza Joana Ribeiro Zimmer, que marcou uma audiência com a vítima no último dia 9. A promotora Mirela Dutra Alberton, ajuizou uma ação cautelar dois dias após a mãe e a menina procurarem atendimento no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago.
No documento, a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público catarinense, da 2ª Promotoria de Justiça do município de Tijucas, diz que a menina deveria "permanecer [no abrigo] até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural". Ela reconhece ainda que o caso é uma gravidez de risco: "Por óbvio, uma criança em tenra idade (10 anos) não possui estrutura biológica em estágio de formação apto para uma gestação".
No despacho de 1º de junho, a juíza disse que a ida da criança ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a menina do agressor, mas a permanência dela no local tinha outro motivo. "O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê".
A juíza também liga a proteção da saúde da menina ao feto. "Situação que deve ser avaliada como forma não só de protegê-la, mas de proteger o bebê em gestação, se houver viabilidade de vida extrauterina", diz e ainda reforça que manter o feto não causará danos à vida da criança. "Os riscos são inerentes à uma gestação nesta idade e não há, até o momento, risco de morte materna", disse ela.
No dia da audiência, Zimmer perguntou à menina qual o caso e se ela deseja seguir com a gravidez. A menina diz que não e a magistrada prossegue na tentativa de convencer a criança a seguir com o feto. Alberton alega que o objetivo é que o feto seja medicado para formar o pulmão completamente e prossegue: "Em vez de deixar ele morrer, porque já é um bebê, já é uma criança, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele. Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”, diz à criança.
A juíza segue com questionamentos e a criança continua afirmando que não quer manter a gestação.
"Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?", pergunta Zimmer.
"Não", responde a vítima.
"Você gosta de estudar?"
"Gosto."
"Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?"
"Sim."
A juíza pergunta ainda se a menina gostaria de escolher o nome do bebê como presente de aniversário, já que faltavam poucos dias para a menina completar 11 anos.
"Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?", diz a magistrada. A menina responde: "Não", responde a vítima.
"Não", responde a vítima.
"Você gosta de estudar?"
"Gosto."
"Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?"
"Sim."
A juíza pergunta ainda se a menina gostaria de escolher o nome do bebê como presente de aniversário, já que faltavam poucos dias para a menina completar 11 anos.
"Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?", diz a magistrada. A menina responde: "Não", responde a vítima.
E Zimmer continua:
"Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?", pergunta, ao falar do estuprador que abusou da criança. "Não sei", responde a menina, em voz baixa.
"Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?", pergunta, ao falar do estuprador que abusou da criança. "Não sei", responde a menina, em voz baixa.
A mãe da vítima é chamada e deixa claro o desejo pelo aborto, mas a juíza oferece a opção de seguir com a gravidez e entregar o feto, quando formado, para a adoção.
"Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal", afirma a juíza. A mãe da menina responde, aos prantos: "É uma felicidade, porque não estão passando o que eu estou".
A mãe da criança apela para que a menina siga sob seus cuidados. "Independente do que a senhora vai decidir, eu só queria fazer um último pedido. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um, dois meses, três meses [grávida], não sei quanto tempo com a criança… Mas deixa eu cuidar dela?", pede. "Ela não tem noção do que ela está passando, vocês fazem esse monte de pergunta, mas ela nem sabe o que responder".
A menina foi levada para um abrigo no dia 9 de maio, logo após a audiência e está na 29ª semana de gestação. Questionada sobre o caso pela equipe do The Intercept, a juíza alegou que "não se manifestará sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa. Não só por se tratar de um caso que tramita em segredo de justiça, mas, sobretudo para garantir a devida proteção integral à criança". A nota foi enviada pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça.
"Seria de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça, com toda a responsabilidade e ética que a situação requer e com a devida proteção a todos os seus direitos [da menina]", diz.
Já a promotora alegou que o hospital "se recusou a realizar a interrupção da gravidez" e que essa decisão aponta que não havia "uma situação concreta de risco", pois se esse perigo fosse identificado, seria "obrigação" dos médicos agirem, o que não aconteceu. "Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento", afirmou, em nota.
Ela disse ainda que, como a menina não sabia do que se tratava o procedimento, a frase "em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando" foi dita "no sentido de esclarecimento sobre as consequências do procedimento de interrupção da gravidez, já que o avançado estado da gravidez viabilizava a vida extrauterina". Disse ainda que, na época, não sabia que o aborto era realizado de forma que o feto saísse do útero já sem batimentos cardíacos.
O primeiro laudo do hospital que atendeu a criança apontou que não havia risco de morte para a menina. No entanto, outros médicos da mesma unidade de saúde avaliaram o contrário ao prestarem depoimento. Um exame de 10 de maio, a médica Maristela Muller Sens, recomenda a interrupção da gestação por conta de riscos como anemia grave, pré-eclâmpsia, maior chance de hemorragias e até mesmo a retirada do útero (histerectomia).
Mesmo com os novos depoimentos e laudos, foi mantida a autorização para "interrupção de gravidez assistida", ou parto antecipado, solicitada em 12 de maio pela promotora Alberton, com o objetivo de "salvaguarda da vida da criança e do concepto, a critério da equipe médica responsável, encaminhando-se o concepto imediatamente aos cuidados médicos".
O juiz Mônani Menine Pereira, do Tribunal do Júri de Florianópolis, autorizou o aborto legal no mesmo dia, mas voltou atrás com o argumento de que o caso já era acompanhado pelas varas da Infância e Criminal da Comarca de Tijucas.
A advogada da família com um requerimento para conseguir um aborto legal, mas o pedido foi negado pela desembargadora Cláudia Lambert de Faria que alegou que embora houvesse "risco geral de uma gravidez em tenra idade", a menina não se encontrava em "risco imediato". Em 8 de junho, novamente foi solicitado que a menina fosse liberada para voltar para casa.
O Código Penal Brasileiro não impões qualquer limitação de semanas da gravidez para casos de aborto após estupro. Também não é exigido autorização judicial. Além disso, está assegurado o direito em caso de risco à vida da gestante e em caso de anencefalia fetal.
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