Publicado 08/07/2022 17:02
Brasília - Em consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU), o governo federal pediu autorização para iniciar o pagamento de emendas parlamentares mesmo antes da assinatura de contratos ou convênios. A manobra, se autorizada pelos ministros do tribunal, poderá aumentar o orçamento de emendas com verba de anos anteriores. Essa possibilidade foi rechaçada pela área técnica do Ministério da Economia e também pelos técnicos do TCU.
A mudança aventada pelo governo também serviria para que um parlamentar eventualmente derrotado nas eleições deste ano levasse para 2023 a negociação e a assinatura de um contrato referente a uma emenda, se a consulta for aprovada.
As emendas individuais são recursos divididos igualmente entre os parlamentares, que podem ser aplicados nas suas bases eleitorais. A consulta também se refere às emendas de bancada. Neste ano, essas emendas equivalem a R$ 16,8 bilhões.
As emendas podem ser gastas diretamente pelo ministério, com contratos, ou por prefeituras ou estados, quando firmam um convênio com a União. Só depois de ser firmado um desses dois instrumentos é feito o empenho, ou seja, a autorização para o pagamento.
Com empenho feito, esse dinheiro pode ser pago no ano seguinte (o que é chamado tecnicamente de restos a pagar). O empenho é a fase do processo orçamentário que dá garantia do pagamento do recurso.
O que o governo quer agora é colocar um recurso em restos a pagar, ou seja, jogar para o orçamento do ano seguinte, sem qualquer contrato assinado. Esse pedido foi feito em uma consulta elaborada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ainda não analisado pelos ministros do TCU.
Procurada, a pasta disse apenas que aguarda a orientação do TCU sobre a consulta realizada e irá seguir todas as determinações do órgão de controle.
O entendimento da área técnica do TCU é de que o pedido do ministério viola a Lei de Orçamento, já que os empenhos são permitidos apenas após a assinatura dos instrumentos formais.
O processo acendeu um alerta na Corte. Reagindo ao questionamento do governo, o ministro André Luis de Carvalho, relator do caso, pediu diligências em todos os ministérios e no Ministério da Economia para verificar se essa situação, considerada ilegal, já está acontecendo.
“É proibido pela lei fazer pagamentos sem prévio empenho, e o empenho depende do contrato”, afirma Heleno Torres, professor de direito financeiro da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ele, caso fosse possível inscrever um número maior de restos a pagar referentes ao ano passado, por exemplo, isso poderia ser usado como uma burla à lei eleitoral para aumentar o pagamento de emendas deste ano:
“A malandragem é pagar emendas durante o período eleitoral a pretexto de ser gasto transportado de 2021. O objetivo é evitar a aplicação da proibição da lei eleitoral de fazer liberações de verbas no período das eleições.”
Caso o governo pudesse fazer o que está pedindo ao TCU, poderia ter gasto cerca de R$ 17 bilhões a mais desde 2014, segundo estimativa do GLOBO. É a diferença entre o orçamento de emendas individuais e de bancada e, no final do ano, o que o governo conseguiu empenhar.
Não só a área técnica do TCU se manifestou contra a possibilidade aventada pelo Ministério da Agricultura. A Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Advocacia-Geral da União (AGU), a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) todos disseram, no processo, que empenhos só podem ocorrer após a assinatura do contrato ou do convênio, segundo a lei.
O "aproveitamento" total das emendas é uma demanda do Congresso. Vice-presidente da Frente Parlamentar de Agropecuária (FPA), o deputado Neri Geller (PP-MT) disse que seria importante permitir que os recursos sejam aproveitados nos anos seguintes porque, com a "burocracia" exigida, muitos empenhos são cancelados.
“Sem nenhuma discussão política, eu sou totalmente a favor. Muitas vezes acontece de o governo federal empenhar e de ter algum problema com uma certidão, ou na demora para fazer um convênio, e o recurso é cancelado”, diz o deputado.
Em parecer, técnicos do TCU citam o caso de uma obra da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), julgado pelo TCU em 2019. A universidade queria usar "restos a pagar" para fazer uma nova licitação no ano seguinte para completar a reforma. A Corte decidiu que isso não seria possível, por violar a anualidade do Orçamento.
No final do ano, há uma sobra nesses valores. O governo não consegue empenhar todo o Orçamento previsto justamente porque deve haver uma licitação ou um convênio (com uma prefeitura ou estado) antes de os pagamentos serem autorizados.
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