O Flávio Grey cita a dificuldade é desfazer em sala de aula a ideia de que a independência do Brasil foi obra de uma só figuraDivulgação/Arquivo Pessoal
Publicado 05/09/2022 06:00
Rio - Para quem tem por ofício ensinar a História do Brasil, o tema Independência é um dos mais complexos. Professores da disciplina buscam passar para os alunos o contexto político e social em que se deu a criação do país enquanto nação autônoma. É um trabalho difícil, pois enfrenta visões distorcidas, conceitos preconcebidos e estudantes desinteressados. 
Independentemente do nível, seja do Ensino Fundamental, Médio ou Superior, o jovem ainda encara a Independência do Brasil como um "ato heroico" de Dom Pedro I. Desconstruir essa visão requer persistência por parte dos professores.
Flávio Peixoto Grey é professor de História da rede pública. Segundo ele, a maior dificuldade é desfazer a ideia de que a independência foi obra de uma só figura, um gesto heroico e libertador. Tal visão, segundo Grey, é reforçada pela imagem icônica do quadro "Grito do Ipiranga", de Pedro Américo.
"Costumo conversar com os meus alunos sobre os interesses de grupos políticos e econômicos da época. A Proclamação da Independência retrata um momento histórico marcado por disputas entre esses grupos. Havia os interesses dos comerciantes portugueses, dos comerciantes brasileiros, dos grandes proprietários de terra, da Inglaterra e até mesmo os interesses pessoais de Dom Pedro. Tento mostrar que não teve heroísmo nenhum nessa história. Foi um grande acordo”, explica.
Grey destaca que o grande desafio do professor, além de desconstruir visões equivocadas sobre a Independência, é despertar o interesse do aluno. Para o docente, o jovem deve perceber a História como uma ferramenta para compreender o tempo presente: "Em 1822, conquistamos a independência política, mas lutamos até hoje para ter a independência econômica. Se o aluno entender isso, compreenderá muito do que ele vive hoje".
A professora Graça Silva, que trabalha com alunos do Ensino Fundamental e Superior, identifica as mesmas dificuldades. Mesmo entre os universitários, é comum a visão de heroísmo no ato de Dom Pedro. Para ela, tal fato mostra que a formação dos jovens ainda é deficiente no que se refere à História do Brasil.
"Percebo que os jovens têm muita dificuldade em fazer uma reflexão mais profunda dos eventos históricos. A Independência, um momento crucial para o Brasil, ainda é visto de uma forma edulcorada, com um viés de heroísmo. Muitos chegam à Universidade acreditando em Pedro I destemido, que enfrentou tudo e todos para libertar o Brasil. Aí entra o papel do professor, que é desconstruir isso e ajudá-lo a compreender todas as questões políticas, econômicas e sociais envolvidas", ressalta a docente.
Grey também atribui a visão distorcida de boa parte dos estudantes ao papel desempenhado pelos meios de comunicação, que focam na figura do herói, no protagonista. "Há uma mitificação da figura de Dom Pedro I. A exposição do coração dele em Brasília é prova desse fenômeno. Pouco se fala no contexto da Independência; o foco se mantém apenas no ato em si. Para piorar a situação, as redes sociais ajudam a disseminar equívocos e falsas interpretações. Cabe ao professor a dura tarefa de se contrapor a isso", alerta Grey.

Graça, por sua vez, acredita que apenas o debate com os alunos será capaz de melhorar a compreensão acerca dos fatos históricos que envolvem a Independência.
"No papel de professora de História, busco despertar o interesse dos alunos desde as primeiras séries do Ensino Fundamental II. A tarefa é difícil, mas cabe ao professor desempenhá-la. Mostro que o estudo da História é importante para a compreensão do mundo em que vivemos. Por menores que sejam os resultados alcançados, pois temos apenas duas aulas semanais da disciplina, eles são importantes. A gente planta as sementes e espera que elas venham a germinar. O tema Independência do Brasil é uma das oportunidades para atingirmos esse objetivo", diz Graça.
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