Decisão de vetar Deisy Ventura foi duramente criticada por pelo menos três entidades ligadas à ciência e à saúde pública Reprodução/Fiocruz
Publicado 30/09/2022 14:18
O Ministério da Saúde (MS) vetou a indicação da pesquisadora Deisy Ventura, da Universidade Federal de São Paulo (USP), para integrar um dos comitês mais importantes da Organização Mundial de Saúde (OMS). A comissão acontece na próxima semana, e vai atualizar o Regulamento Sanitário Internacional (RSI). A decisão foi duramente criticada por pelo menos três entidades ligadas à ciência e à saúde pública.
Em nota, o ministério limitou-se a dizer que "foi consultado sobre a indicação da profissional e considerou que não era o perfil adequado para a função". Ventura é professora titular de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP, onde coordena o programa de pós-graduação em saúde global e sustentabilidade. Ela também professora do programa de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP.
A especialista teve forte atuação pública durante a pandemia de covid-19, e emitiu críticas incisivas à condução da pandemia pelo atual governo. Além disso, ela é coordenadora do único grupo de trabalho do país sobre reforma do RSI, que é formado por profissionais da USP e da Fiocruz.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Faculdade de Saúde Pública da USP e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) acusaram o governo de agir na contramão dos interesses do país. O principal objetivo do comitê da OMS é oferecer conselhos técnicos ao diretor-geral da entidade, em caso de "emergência de saúde pública de interesse internacional". Os trabalhos serão iniciados já na próxima semana. 

"Ao se opor ao nome da pesquisadora sem apresentar explicações, o Ministério da Saúde age de forma puramente ideológica enquanto a OMS busca escolher entre as personalidades mais qualificadas por sua competência técnica", sustenta a nota da SBPC e da Abrasco.

A universidade também se manifestou. "A professora Deisy teve atuação destacada no enfrentamento da pandemia de covid-19, contribuindo de modo inestimável para a proteção social", apontou a nota da USP. "Sua projeção como liderança acadêmica motivou o convite da OMS para participar da importantíssima missão de rever o regulamento sanitário internacional. O injustificado veto (...) envergonha o Brasil em nível global."

No início de 2021, no auge da pandemia, a equipe de Deisy Ventura publicou um estudo, segundo o qual o presidente Jair Bolsonaro teria optado pela estratégia de alcançar o mais rapidamente possível a imunidade de rebanho por meio da disseminação intencional do vírus. Por isso, o presidente demorou a comprar vacinas, defendeu um tratamento ineficaz e boicotou as políticas de isolamento social, sustentou a especialista.

"Nosso estudo mostra que há um plano sistemático de disseminação do coronavírus no Brasil promovida pelo governo federal por razões eleitoreiras e econômicas", afirmou a pesquisadora em entrevista ao Estadão na ocasião do lançamento do trabalho.

Para chegar a essa conclusão, o grupo analisou 3.049 normas federais relativas à pandemia produzidas em 2020. Também estudou as falas públicas do presidente. O estudo teve grande repercussão internacional. E embasou um pedido de impeachment contra Bolsonaro por crime de responsabilidade.

"Trata-se de uma pessoa altamente qualificada", afirmou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro. "Mas ela é uma das autoras do trabalho que afirma que o presidente contribuiu propositalmente para o aumento do número de mortes pela covid-19", acrescentou.
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