Publicado 09/01/2023 16:36 | Atualizado 10/01/2023 14:04
Brasília – Os ataques terroristas realizados neste domingo (8) no Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal são um evento marcante na história do Brasil e, por esse motivo, O DIA consultou cientistas políticos sobre o que levou o trágico episódio a acontecer, o que ele significa para o país e como ele pode impactar a percepção que se tem do Brasil no exterior.
Segundo Mayra Goulart, professora de Ciência Política da UFRJ, do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da UFRRJ e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), a existência dos ataques está intrinsecamente ligada à trajetória de Jair Bolsonaro desde o seu período como deputado federal.
"Os principais motivos (que levaram os ataques a acontecerem) são, primeiramente, uma certa leniência das instituições liberais com os discursos de Bolsonaro deputado. Ele deveria ter sido punido por quebra de decoro quando defendia a ditadura militar dentro do plenário da Câmara. Também é importante responsabilizar os poderes constitucionais durante a presidência de Bolsonaro. Quando ele levanta dúvidas sobre as urnas eleitorais, abre espaço para a contestação do resultado eleitoral. Os poderes, principalmente o judiciário, poderiam ter agido em defesa da democracia, mas não o fizeram. Então eu acredito que o principal responsável (pela existência dos ataques) é Jair Bolsonaro, e na esteira, as instituições que permitiram que ele configurasse esse campo discursivo e atraísse apoiadores para esse lugar de contestação das instituições democráticas", disse ela.
De acordo com Alessandra Maia, professora de Ciência Política da PUC-Rio, os ataques parecem ter sido planejados de forma sistemática e com abundantes recursos financeiros. Ela diz que eles contaram também com a organização de apoiadores dentro das instituições públicas e militares, o que reforça o caráter antidemocrático. Além disso, a pesquisadora ressalta a diferença na forma como a polícia tratou os invasores em relação às suas ações habituais.
"Se marca a desigualdade da ação policial, em relação aos grupos privilegiados que são protegidos nesses atos e às populações pobres normalmente vitimadas nas ações policiais, por outro lado agora é uma oportunidade única na nossa história. É o momento de democraticamente apurar, responsabilizar, e punir exemplarmente os criminosos, sem nenhuma anistia aos seus atos, amplamente registrados e veiculados nas mídias sociais de todos os tipos hoje existentes. Que se punam generais, comandantes, policiais, servidores e políticos envolvidos, tal qual qualquer cidadão comum", declarou Alessandra.
Outra perspectiva vem de Gregory Michener, professor de Ciência Política da FGV. Para ele, o evento está conectado a uma fragilidade da democracia brasileira e a elementos presentes não apenas no Brasil.
"Isso faz parte de um movimento internacional de direita, da radicalização e falta de satisfação com a democracia. É o zeitgeist, o espírito dos tempos. (Os locais em que esses movimento mais radicais acontecem) são democracias fortemente disfuncionais. Chamadas para golpe não são uma resposta inteligente, são entendidas da perspectiva de que o Brasil não está avançado politicamente", disse ele.
O pesquisador, especialista em política comparada, adiciona que, de acordo com pesquisas internacionais, a democracia brasileira não é de qualidade. "São 14 partidos diferentes na coalisão, 10 partidos diferentes no gabinete. (O governo) tem pouco apoio no congresso, que está super dividido entre esquerda e direita, e há um legado muito visível de corrupção nas autoridades públicas".
O sentimento é reforçado por Josué Medeiros, professor da UFRJ e coordenador do Observatório Político e Eleitoral (Opel) e do Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (Nudeb). "A tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro mostrou ao mundo que temos uma democracia em crise, com uma extrema-direita autoritária disposta a tudo para recuperar o poder. Mas mostrou também uma sociedade que apoia amplamente a democracia e que rechaçou a tentativa de golpe de Estado dessa extrema-direita", diz ele, vendo também um lado positivo no desfecho.
Um ponto que parece comum entre a maioria dos estudiosos é que, para evitar um novo evento similar ao visto neste domingo, é necessária uma resposta clara com a punição de todos os envolvidos, passando uma mensagem em defesa de democracia brasileira.
Bolsonaristas responderão por pelo menos 11 crimes
A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) informou que pelo menos 11 crimes foram identificados nos ataques até o momento. Eles são: golpe de Estado, lesão corporal, dano a bem público, roubo a transeunte, furtos diversos, ato obsceno, desacato, porte de arma branca, desobediência, resistência e corrupção ativa.
*Reportagem de Luca Tornaghi, sob supervisão de Thiago Antunes
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