Anderson Torres foi ministro da Justiça de Jair Bolsonaro entre março de 2021 e dezembro de 2022 Marcelo Camargo / Agência Brasil
Publicado 13/01/2023 15:32
São Paulo - A minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, para que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) instaurasse estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é considerada por advogados consultados pelo Estadão uma 'tentativa inconstitucional e frustrada de derrubar o novo governo'. Especialistas em Direito administrativo, constitucional e penal veem inconsistências do ponto de vista jurídico-constitucional e apontam distorção do dispositivo do Estado de Defesa para uma tentativa de interferência em outro Poder.
O advogado Flávio Pansieri, presidente do Conselho Fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), questiona o cerne do documento apreendido pela Polícia Federal na casa de Torres, afirmando não ver 'grave eminente estabilidade institucional' que justificasse a decretação do Estado de defesa, o que torna sem nenhum efeito qualquer outro ponto do documento 'criado para tentar dar um ar de legalidade' do texto.
"O ponto fundamental é que o estado de defesa não é instrumento hábil para interferência de um poder em outro na esfera federal. Não há esta modalidade no estado brasileiro e na democracia brasileira. O estado de defesa é instrumento para intervenção do presidente da República para preservar ou restabelecer, em locais determinados, a ordem pública e a paz social ameaçados por grave iminente de estabilidade institucional. Não me parece que vivamos isto ou o que vivemos isto em nosso país nos últimos anos. Por sua vez, sem fundamento estaria a decretação do estado de defesa", indicou.
O advogado Miguel Pereira Neto, conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo, compartilha do entendimento e considera que a principal inconstitucionalidade da minuta está na 'premissa de que o TSE estaria colocando em risco a lisura e a correção do processo eleitoral'. A Corte eleitoral é presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, seguidamente hostilizado por Bolsonaro e seus aliados em meio a decisões que levam o ex-chefe do Executivo à inquietação.
"Trata-se de uma premissa dissociada dos fatos e, sobretudo, desprovida de evidências, ausente atribuição direta ao Executivo, com desvio de finalidade para intervir indevidamente em outro Poder para atender a interesse pessoal, espúrio, ilegítimo e ilegal do autor do decreto. Viciado o ato, portanto, na forma e no conteúdo, traduz ameaça à Democracia, ao poder legítimo constituído em sua mais lídima e soberana representação Grave", ressalta.
Na mesma linha, Cristiano Vilela, integrante da Confederação Americana dos Organismos Eleitorais Subnacionais, considera que a parte mais grave do decreto é o fato de o texto 'distorcer totalmente o dispositivo constitucional do estado de Defesa e promover a sobreposição entre os Poderes da República'.
"A Constituição, em momento algum, permite a sobreposição do Poder Executivo sobre outros Poderes da República (como estabelecido no artigo 3º. da minuta de decreto) - o que fere totalmente a forma de organização do Estado, cláusulas pétreas da Constituição -, tampouco permite a ofensa a outros dispositivos constitucionais , como os artigos 118 a 121 da Constituição, que estabelecem a competência da Justiça Eleitoral", ressalta.
O advogado Igor Luna, especialista em direito administrativo e relações governamentais, avalia que a minuta de decreto encontrada na casa de Torres é um 'estímulo à corrosão do modelo constitucional de separação dos Poderes'.
"A intervenção direta no Tribunal Superior Eleitoral, já no art. 1º, deixa claro que a ofensiva seria direcionada ao Poder Judiciário, buscando vencer um jogo de forças, salutar numa democracia, de modo desmedido. O Decreto como um todo é inconstitucional e, na prática, parece tentar dar verniz de legalidade à ilegalidade, usando o sistema democrático contra a democracia", pondera.
O advogado Daniel Allan Burg, especialista em Direito Penal e Processual Penal, contesta o objetivo do decreto, de 'garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022'. O advogado ressalta que a partir do mesmo já se verifica 'tentativa inconstitucional e frustrada de derrubar o novo governo', uma vez que o processo eleitoral se deu 'em perfeita conformidade com o rito democrático'.
O advogado vê 'tentativa de interferência, absolutamente inconstitucional, na integridade e na legitimidade do processo eleitoral brasileiro, bem como na independência e na separação dos Poderes, no caso, o Judiciário'.
"A tentativa de golpe ao Estado Democrático de Direito fica ainda mais evidente dado à finalidade do Decreto de "reanalisar" apenas a eleição do Presidente da República eleito, mas não do processo eleitoral em si, ao passo que os demais cargos votados - Governadores, Senadores, Deputados - não se encontram no escopo do texto", ressalta.
Publicidade
Leia mais