Publicado 17/02/2023 19:54
Brasília - O Supremo Tribunal Federal adiou, mais uma vez, o julgamento sobre a competência da Justiça Militar para julgar crimes de membros das Forças Armadas. Com um placar de 5 a 2 durante análise no plenário virtual da Corte, o ministro Ricardo Lewandowski pediu destaque, levando a discussão sobre o assunto para a sessão presencial do STF. Antes, o magistrado havia votado por limitar a competência da Justiça Militar. Não há data para que o debate sobre o tema volte à pauta do Supremo.
No processo sob análise do Supremo, os ministros avaliam se as atribuições subsidiárias das Forças Armadas, como nos casos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), também atraem a competência da Justiça Militar. As atividades subsidiárias também incluem, por exemplo, o patrulhamento das fronteiras, o combate ao crime organizado e o suporte na organização das eleições.
Com a movimentação de Lewandowski, o placar do julgamento é zerado. Só é mantido o voto do ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo que apresentou seu voto antes de se aposentar do Tribunal - assim, não se posicionará sobre o caso o ministro André Mendonça, seu sucessor. A tese defendida pelo ex-decano, que tinha quatro apoios na sessão suspensa nesta quinta, é a de que a Justiça Militar deve julgar integrantes das Forças Armadas mesmo quanto à crimes cometidos durantes atividades subsidiárias.
A ação sob análise do STF foi proposta em 2013 pelo então procurador-geral da República Roberto Gurgel. Ele argumentou que, na prática, mudanças na legislação ampliaram indevidamente o foro dos militares. "O alcance da competência da Justiça Militar é de extrema relevância para caracterização do sistema constitucional atual, de controle civil sobre o poder militar", escreveu na época.
O que o PGR propôs foi reconhecer que os militares devem ser julgados pela Justiça comum quando estiverem no exercício de atividades típicas de segurança pública. Ele defendeu que o foro deveria se restringir a crimes relacionados diretamente à atividade militar. A ação dá como exemplo as operações das Forças Armadas nas favelas do Rio. Pela regra em vigor, denúncias de abusos contra moradores são processadas na Justiça Militar.
Lewandowski pediu destaque do processo na terceira sessão de julgamento do caso no plenário virtual. A conclusão ocorre em meio a debates sobre a atribuição para julgar os militares envolvidos nos atos golpistas do dia 8 de janeiro em Brasília. Essa é outra discussão que pode chegar no STF.
Votos
O ministro aposentado Marco Aurélio Mello é o relator da ação e registrou o voto antes de deixar o STF. Ele defendeu que os membros das Forças Armadas devem ser julgados pela Justiça Militar mesmo quando as denúncias tiverem relação com as atividades subsidiárias. O voto afirma que a função dos militares é 'qualitativamente diversa da realizada pelas forças ordinárias de segurança' e, por isso, eles merecem foro próprio.
No julgamento suspenso nesta quinta-feira, 16, os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli haviam acompanhado o relator. No entanto, com o pedido de destaque, os votos são resetados e deverão ser reapresentados, com exceção do posicionamento do ministro aposentado Marco Aurélio, que será mantido.
No voto apresentado no plenário virtual, Moraes não viu alargamento das hipóteses de crimes militares e nem aumento da incidência da lei penal militar. "O que houve foi estabelecer de forma clara e taxativa as atividades de garantia da Lei e Ordem, que são atividades consideradas militares, para fins de competência da Justiça Militar", escreveu.
"As atividades militares objeto de questionamento na presente ação direta de inconstitucionalidade possuem, sim, caráter e natureza militar, diferentemente das atividades de segurança pública exercidas pelos agentes policiais", acrescentou.
Barroso argumentou que defesa nacional e segurança pública 'não se confundem' e que as atividades típicas e subsidiárias não devem ser diferenciadas.
"Por opção expressa do constituinte originário, todas as atividades ali presentes devem ser consideradas como atividades militares, ainda que sejam qualificadas como ordinárias ou subsidiárias, típicas ou atípicas. Entre essas atividades, está a defesa da lei e da ordem. Disso decorre que ela possa ser utilizada como delimitadora do conceito legal de crime militar e, por conseguinte, da competência da Justiça Militar", defendeu.
Divergência
No plenário virtual, o ministro Edson Fachin abriu a divergência e defendeu restringir a competência da Justiça Militar.
"É incompatível com o ideal republicano, mediado pelo direito à igualdade, a criação de jurisdições que, sem base normativa constitucional, criem distinções entre as pessoas", escreveu. "Não cabe, portanto, ao legislador, ampliar o escopo da competência da justiça militar às 'atividades' ou, ainda, apenas ao 'status' de que gozam os militares."
Ricardo Lewandowski acompanhou a divergência. O ministro argumentou que a segurança pública é uma atividade 'eminentemente civil' e foge das atribuições tipicamente militares.
"Se a segurança pública configura atividade constitucionalmente atribuída a outros órgãos, quer dizer, às distintas polícias, sendo exercida por integrantes das Forças Armadas somente a título subsidiário, ou seja, à guisa de cooperação com as autoridades civis, não há falar em delito cometido no exercício do cargo e em razão dele apto a atrair a competência da Justiça Militar", afirmou.
Outro ponto levantado no voto é que as operações de GLO estão condicionadas a decisões políticas do presidente da República, que por sua vez não são passíveis de controle pelo Judiciário ou pelo Congresso.
"É precisamente disso que se trata na hipótese sob exame, quer dizer, certo comportamento que, em um dado momento, não era tipificado como crime militar e, portanto, não se subordinava à Justiça castrense, de repente, num instante posterior, passa a sê-lo, por força de mero decreto presidencial, sem a necessária anuência parlamentar", alertou.
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