Ação é assinada por PSOL, PCdoB e SolidariedadeFabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Publicado 30/03/2023 17:17
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Brasília - Partidos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação que pede que sejam suspensos todos os pagamentos de leniências firmadas antes de agosto de 2020 em todo o País. Neste universo de acordos estão os maiores firmados por empreiteiras do cartel investigado pela Operação Lava Jato. A ação é assinada por PSOL, PCdoB e Solidariedade.
Segundo as legendas, a suspensão dos pagamentos não se traduz na "invalidação dos acordos" e atingiria somente as "obrigações pecuniárias assumidas pelas empresas". A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelos partidos está alinhada com declarações do presidente de que as investigações da Lava Jato afetaram o setor da construção civil. Em entrevista recente, Lula afirmou que a operação "era para destruir" as empresas.
Entre as empreiteiras que firmaram acordos de leniência com órgãos federais estão as que integravam o chamado "clube vip" da Lava Jato (Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa). Elas confessaram ter formado um cartel para fraudar contratos da Petrobras e outras estatais, além de pagar propina a agentes públicos e políticos. Somados, os acordos das cinco principais companhias somam R$ 8,1 bilhões. Até hoje, apenas pouco mais de R$ 1 bilhão foi quitado, conforme informações da Controladoria-Geral da União (CGU).
A data de agosto de 2020, usada como marco temporal pelas legendas na ação, tem relação com a costura do Acordo de Cooperação Técnica firmado entre Supremo, CGU, Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério da Justiça.
O ponto central questionado pelas siglas é de que este acordo entre as instituições reforçou o papel da CGU na costura de termos de leniência com as empresas, mas pactos da Lava Jato foram firmados sem a participação de órgãos representativos da União.
No mérito, a ação pede a anulação dos termos que envolvem sanções às empresas para que elas sejam renegociadas nos termos do acordo de 2020. "O MPF, de forma inconstitucional, chamou para si todos os acordos de leniência, arrogou-se competência exclusiva para celebrar todos os acordos de leniência, o que ocasionou graves distorções na parte pecuniária dos acordos, que não observaram, nem de longe, os critérios revelados pelo ACT", afirmam os partidos.
A peça é repleta de críticas aos acordos firmados pela Lava Jato. As siglas acusam a operação de acertar termos com as empresas na base da "coação", e com uso de prisões prolongadas de empresários que acabaram firmando acordos. "Em tais condições, inexiste voluntariedade quando a moeda de troca é a liberdade da pessoa e a falência da empresa."
As legendas dizem ainda que os acordos da Lava Jato "foram demasiadamente prejudiciais às empresas". "Se em um primeiro momento o acordo de leniência foi a tábua de salvação de grandes empresas, viu-se depois que os acordos estão eivados de ilicitudes, tais como as apresentadas nesta ação."
'Governabilidade'
A ação é assinada pelo advogado Walfrido Warde, defensor aberto da revisão dos acordos, além de crítico dos métodos da Lava Jato. "Esta é a causa mais importante para a governabilidade do Brasil. Todos esses partidos reconhecem que o mercado de infraestrutura é um dos pilares da economia nacional", afirmou Warde. "Esses acordos contemplam evidente desvio de finalidade, porque, mais do que ressarcir o erário, puseram-se a destruir um setor empresarial essencial para a economia nacional."
Presidente do PSOL, Juliano Medeiros é um dos signatários da ação. Ao Estadão, ele disse ter apoiado a propositura do processo porque "confia nos partidos que estão propondo a ação, nos argumentos elaborados pelos advogados e porque é preciso rever os acordos que foram firmados sob coerção, em meio à Lava Jato, para garantir a entrada de grupos estrangeiros no Brasil". "A iniciativa não tem nada a ver com o governo", afirmou.
Lula, na entrevista ao site Brasil 247, foi além da defesa das empresas e voltou a citar teoria conspiratória em relação à Lava Jato, afirmando ter "consciência" de que a operação "fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça".
O presidente foi condenado e preso sob acusação de se beneficiar de desvios de recursos na Petrobras a partir de investigações da operação. A condenação acabou anulada por decisão do Supremo, que considerou a 13.ª Vara Federal de Curitiba incompetente para os julgamentos.
Obrigações
Para o procurador regional da República Bruno Calabrich, os acordos de leniência da Lava Jato "envolvem obrigações que não podem ser desconsideradas". "São acordos vultosos, que obrigam empresas a estabelecerem programas de compliance, como previsto na lei anticorrupção", disse ao Estadão. "Essas obrigações são importantes para o mercado, para que ele funcione de forma lícita, e como desestímulo para práticas detectadas no curso da Lava Jato. Essas instabilidades são desinteressantes para a sociedade e para as próprias empresas."
Como mostrou o Estadão, empreiteiras têm procurado o governo federal para a renegociação dos acordos, com a possibilidade de pagar parte das multas com obras de infraestrutura. O movimento vinha sendo capitaneado pelo ministro do STF Dias Toffoli, com forte articulação do presidente do TCU, Bruno Dantas.
A saída articulada pelo governo federal, no entanto, poderia atingir somente R$ 1,3 bilhão das dívidas das empreiteiras, equivalentes a 10% dos R$ 10 bilhões em multas a serem pagas pelas empresas.
Pessoas jurídicas
Acordos de leniência são feitos na esfera penal entre empresas, União e Ministério Público, para que as pessoas jurídicas confessem fatos ilícitos e se comprometam a pagar multas em troca de condenações mais brandas. O documento com os compromissos assumidos pela empresa e as sanções a ela impostas, como as multas, é submetido à Justiça para homologação.
Boa parte das lenientes está passando ou passou pelo processo de recuperação judicial. Como revelou o Estadão, o "clube vip" vinha se articulado para rever os acordos em razão da dificuldade de liquidá-los.
Procurados, PCdoB e Solidariedade não se manifestaram.
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