Publicado 13/04/2023 22:03
São Paulo - A Polícia Federal já deflagrou ao menos quatro operações desde o início deste ano para desarticular quadrilhas que atuavam com tráfico de drogas no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. A última delas foi realizada recentemente, após duas brasileiras serem presas na Alemanha. Já o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito civil para apurar possíveis falhas de segurança em Cumbica.
"A gente tem oito suspeitos de terem participado, todos funcionários do aeroporto. Seis trabalhavam na parte interna e dois, na parte de despacho de mala", afirmou ao Estadão o delegado Felipe Faé Lavareda, chefe da unidade de inteligência policial na Delegacia Especial da Polícia Federal no Aeroporto de São Paulo.
Segundo ele, o modus operandi de troca de etiquetas é antigo, e a operação envolve no mínimo quatro pessoas. "É preciso ter uma pessoa que traz (a mala), uma pessoa que despacha e uma que desvia lá dentro. No mínimo, tem essas três fases no país de origem", diz o delegado. No país de destino, normalmente há um quarto membro. "Fica lá para desviar a mala antes de a polícia ir lá pegar." O delegado afirma que o número de pessoas dentro de cada fase pode variar. Diz também que a complexidade pode aumentar a depender do número de encomendas.
Lavareda diz que a polícia ainda investiga a associação dessa célula, que atuou nesse caso recente, com organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Ao mesmo tempo, reconhece que é comum que haja essa relação nesse tipo de crime, principalmente pela complexidade e pelo alto custo.
O destino mais comum das malas carregadas de drogas é a Europa, pelo alto potencial lucrativo da cocaína por lá, mas a polícia também já interceptou envios para países do Oriente Médio e para a África do Sul. A cooptação de funcionários pode ocorrer tanto quando eles estão trabalhando lá quanto antes, com a inserção de criminosos nas empresas.
Ministério público
O MPF solicitou informações à Polícia Federal, que liderou as investigações, às empresas aéreas Gol e Latam Airlines, à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e à GRU Airport, empresa que administra o aeroporto. O MPF vai ouvir também a Orbital, que teve empregados envolvidos no esquema de troca das etiquetas.
Conforme a PF, as brasileiras embarcaram em um voo saído de Goiânia, fizeram escalas em Guarulhos e foram presas pela polícia alemã ao desembarcarem no aeroporto de Frankfurt, em 5 de maio, quando foram apreendidas malas que continham cerca de 40 quilos de cocaína, etiquetadas com o nome das passageiras. Segundo a Polícia Federal, as brasileiras despacharam a bagagem no aeroporto de Goiânia e só receberiam as malas de volta no desembarque, na Alemanha.
Quando a aeronave pousou em Guarulhos, funcionários de empresas que atuam no aeroporto aproveitaram a escala do voo para trocar as etiquetas das bagagens das passageiras Jeanne Paolini e Kátyna Baía por outras malas contendo drogas. Elas foram liberadas só nesta semana e planejam buscar reparação na Justiça
Urgência
"O reforço na segurança aeroportuária é medida urgente, sob pena de afetar vários segmentos econômicos da sociedade, dado o clima de desconfiança gerado na população diante de gravíssimo fato", diz o procurador da República Guilherme Göpfert, responsável pelo inquérito. "Eventual queda do fluxo de viajantes, receosos com a possibilidade de serem injustamente incriminados, fatalmente proporcionaria reflexos negativos em demais atividades econômicas, além de afetar a imagem do País."
Ainda segundo ele, além de apurar possível ocorrência de dano moral sofrido pela coletividade, a investigação pretende levar à revisão dos protocolos de segurança no maior aeroporto da América do Sul. Conforme o MPF, um inquérito civil como este pode levar à recomendação de medidas, e também à propositura de ação civil pública. Segundo o procurador, a defesa das brasileiras acusadas demonstrou que o peso das malas registrado pela companhia no momento em que foram despachadas diferia do peso das duas malas apreendidas na Alemanha.
Respostas
A Latam, empresa aérea pela qual as brasileiras fizeram o voo, informou que repudia o ocorrido e acompanha o caso com a máxima prioridade. A Gol informou que não vai comentar. A GRU Airport, concessionária do aeroporto, informou que prestará todas as informações solicitadas. E o Ministério dos Portos e Aeroportos disse ter enviado ofício à Anac.
Já a agência informou, em nota, que se solidariza com as brasileiras presas e disse acompanhar os desdobramentos do caso, em coordenação com a Polícia Federal. Ainda conforme a Anac, a regulação brasileira está alinhada com as regras praticadas por outros países, como Estados Unidos e Canadá, bem como com a Organização da Aviação Civil Internacional (AACI). Também segundo a agência, essas medidas, e outras sigilosas, contribuíram para a identificar os autores do crime.
Viajantes relatam se sentir 'vulneráveis' e reforçam cuidados
Em Cumbica, o episódio fez crescer a procura pelo serviço de envelopamento de bagagens e o receio de passageiros com bagagens De acordo com Fabio de Barros Silva, gerente de operação das lojas Protect Bag, que oferece o serviço em 15 quiosques no aeroporto, o movimento aumentou 20% após a repercussão do caso.
"Vou colocar alguns adesivos como estes de geladeira, bem grandes, na mala, e passar o celofane no aeroporto. Também pretendo filmar todo o processo, desde montar a mala em casa até o peso na balança principalmente na hora de despachar. Eu acho que evita? Não. Não acho. Não sei qual é o esquema utilizado para a escolha do alvo, mas eu acredito que pode dificultar", diz a advogada Mariana Perins, de 41 anos, que geralmente viaja ao exterior três vezes por ano para visitar a família. Ela adotou uma série de medidas listadas ao Estadão por especialistas.
O sentimento de Mariana é compartilhado pelo defensor público Vladimir Koenig, de 44 anos, que mora em Belém e costuma viajar com frequência a São Paulo e ao Rio de Janeiro com a esposa. "Quando a mala está comigo, ninguém chega perto, mas no momento em que eu a colocava sob a guarda da companhia aérea eu relaxava Esse evento me deixou preocupado, porque eu não tenho o domínio sobre a bagagem, e se acontecer algo eu só vou descobrir depois que trocarem (as malas)."
O defensor público, que já tinha os cuidados básicos como uso de malas com adereços e com cadeado embutido, afirma que também irá adotar o hábito de gravar a colocação da mala na esteira da companhia aérea, o peso registrado pela balança e a etiqueta concedida pela empresa. Ele ainda pretende ampliar o uso da tag de rastreamento, que já tem no carro e na mochila, também nas bagagens, como forma de prevenção a perdas.
A ideia, segundo ele, é criar um conjunto de recursos que possam ajudá-lo em caso de uma situação como a vivida pelas goianas em Frankfurt, mas que o contexto o faz se sentir "fragilizado" . "Vou ter de juntar vários elementos, vídeo, fotos, tag, para tentar provar que eu não faço parte desse esquema. Isso me deixou muito preocupado. A gente fica em uma posição de extrema vulnerabilidade. Eu me sinto fragilizado como viajante."
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.