Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil em Washington e PequimZECA RIBEIRO / CÂMARA DOS DEPUTADOS
Publicado 20/05/2023 12:58
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 De acordo com o ex-embaixador do Brasil em Washington e Pequim, o Brasil retoma o prestigio internacional com Lula na reunião do G-7 mas posição de neutralidade sobre guerra na Ucrânia pode ser um problema

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, voltou a participar de uma cúpula do G-7 neste final de semana em Hiroshima, Japão, depois de 14 anos sem a presença do Brasil na reunião do grupo.

Em 2009, durante o encontro em L’Aquila, na Itália, os países mais ricos do mundo viviam uma aproximação com os emergentes e o G-7 se chamava G-8 na época, porque contava com a Rússia. Já a China se transformava em um dos principais parques industriais do planeta e existia uma forte integração entre os países da União Europeia.

Na avaliação do diplomata Roberto Abdenur, que chefiou as embaixadas do Brasil em países como Estados Unidos, China e Alemanha, o presidente acerta ao colocar a agenda ambiental e climática como centro da política externa brasileira, mas erra ao adotar uma posição de neutralidade na guerra da Ucrânia.

Na última vez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve na cúpula em 2009, a Rússia estava dentro do grupo. Agora, a situação é diferente, com forte oposição a Moscou e um grande apoio militar a Kiev. Como Lula irá lidar com isso?
Em todas as reuniões anteriores de que o Lula participou havia uma atmosfera de cooperação com a Rússia, era um ambiente de tranquilidade, dialogo e paz. Agora a situação é diferente porque o presidente brasileiro irá participar de uma reunião do G-7 durante uma guerra que já dura mais de um ano, com uma brutal violação da soberania ucraniana.

Eu entendo perfeitamente que dentro da preocupação do presidente Lula em preservar as suas credenciais para uma futura atuação em prol da paz entre Rússia e Ucrânia, o Brasil não endosse uma série de posicionamentos muito duros contra a Rússia, preservando uma posição de certo distanciamento do conflito neste momento. Mas a minha opinião pessoal é que o Brasil não deveria ter adotado uma posição de neutralidade e Lula não poderia ter feito declarações impróprias, igualando Rússia e Ucrânia no mesmo nível e afirmando que os Estados Unidos e os países europeus estavam prolongando a guerra. Isso teve muita repercussão negativa em Washington e Bruxelas.

Depois o Lula se retratou e disse que apenas quer a paz. Este objetivo é nobre, mas no momento é inalcançável.

Qual é a intenção do presidente em não querer isolar Moscou dos fóruns diplomáticos?
Claramente o Lula tem em vista a próxima reunião dos Brics, que será realizada entre os dias 22 e 24 de agosto na África do Sul. Ficou claro quando ele foi a Pequim que o seu objetivo é contribuir de maneira enfática para a governança global e na expansão do Conselho de Segurança das Nações Unidas para que o Brasil se torne membro permanente, que já é uma pauta conhecida da política externa brasileira.

Mas eu não vejo muita perspectiva de ampliação deste grupo no curto prazo. Uma vitória do governo Lula foi conseguir que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sinalizasse em declaração conjunta com o Brasil que apoia uma representatividade maior no Conselho de Segurança de países da América Latina e Caribe. Na China, o presidente Xi Jinping não fez uma declaração tão enfática neste assunto.

Como ocorreu a integração da Rússia no G-8 no período pós-União Soviética e como foi à desintegração de Moscou?
Em 1989 cai o muro de Berlim em 1991 ocorre a dissolução da União Soviética. Estes acontecimentos permitiram que um espaço de paz e tranquilidade temporária fosse possível com grande hegemonia dos Estados Unidos na medida em que a União Soviética, a grande potencia opositora a Washington, tinha desaparecido.

Em 1998, 7 anos depois da dissolução da URSS, a Rússia entra para o seleto Grupo dos Sete, que passa a ser G-8. O país trabalha normalmente com o G-8 e chega inclusive a sediar a cúpula de 2006, em São Petersburgo, com declarações importantes sobre combate ao terrorismo, segurança energética global e a situação no Oriente Médio.

Em 2008 a Rússia entra em guerra com Geórgia, o que dificulta as relações de Moscou com o Ocidente. O capitulo final desta relação de maior cooperação e a invasão e anexação da Crimeia em 2014. Na época, o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou que a exclusão não era uma grande tragédia.

A ultima vez que o Brasil foi chamado para uma reunião deste porte foi justamente no segundo mandato do governo Lula. Depois dele, passaram Dilma, Temer e Bolsonaro, mas só voltamos para a cúpula com Lula de novo. Porque isso aconteceu?
Se fizermos uma retrospectiva dos países que mais foram convidados para o G-7, veremos que China, Índia, Brasil e África do Sul estão na lista.

Depois do segundo mandato do Lula, vieram governos em que a política externa brasileira foi debilitada. A Dilma não gostava muito do assunto e não tinha prestígio internacional. O governo Temer foi um governo de transição, também sem muita capacidade de atuação no plano internacional e o governo Bolsonaro foi um desastre completo, uma traição à pátria na submissão direta aos Estados Unidos do ex-presidente Donald Trump.

Eu vi com muita satisfação o fato de o presidente Lula ter iniciado a sua atuação em política externa com um discurso sobre o clima na COP 27 no Egito. Ele deu a volta por cima e recuperou o protagonismo do Brasil no plano internacional.

Como nos últimos anos a principal preocupação global se tornou a mudança climática, o Brasil tem um trunfo na mão e o Lula está fazendo muito bem em ser ativo na preservação da Amazônia, com a recuperação do Fundo da Amazônia e a participação de países como Alemanha, Estados Unidos, Noruega e Reino Unido.

O presidente está certo de colocar esta questão como tema prioritário em sua política externa.
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