Publicado 06/07/2023 09:57
Rio - O dramaturgo José Celso Martinez Corrêa morreu aos 86 anos, em São Paulo, nesta quinta-feira. O diretor estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas, desde terça-feira, após ter 53% do corpo queimado em incêndio que atingiu seu apartamento. O falecimento do artista foi confirmado através do Instagram do Teatro Oficina, fundado por ele, nesta manhã.
"'Tudo é tempo e contra-tempo! E o tempo é eterno. Eu sou uma forma vitoriosa do tempo'. Nossa fênix acaba de partir para morada do sol. Amor de muito. Amor de sempre", diz a publicação.
Ícone da dramaturgia brasileira
Zé Celso nasceu em 1937 e é conhecido como um dos maiores dramaturgos do Brasil, responsável pela criação do Teatro Oficina, uma das companhias mais antigas no país. A iniciativa surgiu em 1958, quando o diretor e ator se juntou a Amir Haddad, Renato Borghi, Etty Fraser, Fauzi Arap e Ronaldo Daniel. Assinou o texto e direção de inúmeras peças que chegaram a incomodar o governo no período da ditadura militar, entre as décadas de 60 e 70, como "O Rei da Vela" e "Roda Viva", marcadas pelo sarcasmo, a constestação de ideias e, em muitas vezes, pela nudez física e filosófica dos artistas.
Em 22 de maio de 1974, foi abordado por agentes da ditadura e levado ao Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, onde foi torturado e confinado em uma solitária. Quase um mês depois, Zé foi solto em liberdade condicional, tendo que responder ao Dops semanalmente. Em setembro do mesmo ano, se exilou em Portugal com outros integrantes da então Comunidade Oficina Samba.
O grupo só retornou ao Brasil em 1979, depois de atuar com o teatro e cinema em capitais da Europa como Lisboa, Paris e Londres, e até mesmo em Moçambique. Em abril de 2010, Zé Celso recebeu uma indenização de R$ 570 mil do Estado pela perseguição que sofreu durante o governo militar.
No ano passado, fez parceria com Fernando de Carvalho na direção de "Fausto na travessia brasileira", uma releitura da obra de Christopher Marlowe, estrelada por Leona Cavalli e Ricardo Bittencourt. Nos últimos meses, Zé estava envolvido na adaptação do livro "A Queda do Céu", organizado pelo francês Bruce Albert a partir de gravações do xamã yanomami Davi Kopenawa.
No dia 6 de junho, o dramaturgo reuniu nomes como Daniela Mercury, Andréia Horta, Alanis Guillen e Júlia Lemmertz no Teatro Oficina para seu casamento com o ator Marcelo Drummond. A celebração aconteceu no mesmo dia em que José Celso recebeu uma intimação judicial contra o plantio de uma árvore no terreno ao lado do teatro, que pertence ao apresentador e empresário Silvio Santos.
A disputa pelos arredores do teatro já vem desde 1980. Enquanto o Grupo Silvio Santos já manifestou os planos de construir um edifício residencial na região, Zé Celso quer transformar o local no parque do Rio Bixiga. Na semana anterior ao casamento, o artista revelou à 'Folha de S. Paulo' que havia sido presenteado com um pé de ipê comprado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, que não puderam comparecer à cerimônia. "O ipê vai praticamente abrir o parque", afirmou o diretor ao jornal, o que gerou a ação movida pela Residencial Bela Vista, empresa pertencente ao conglomerado liderado pelo dono do SBT.
Zé Celso foi integrado a lista "50 Over 50 2023" da revista 'Forbes' na categoria Cinema, teatro e televisão, nesta segunda-feira (03), como parte do grupo "que brilha intensamente após meio século de existência". Ao seu lado estão nomes como Adriana Esteves, 55, Reynaldo Gianecchini, 50, Regina Casé, 69, Karim Ainoux, 57.
Morte do irmão
Um marco trágico na vida de José Celso Martinez Corrêa foi a morte de seu irmão, Luís Antônio Martinez Corrêa, assassinado em 23 de dezembro de 1987. Na ocasião, o dramaturgo ligou, desesperado, para o encenador Gerald Thomas para pedir ajuda.
"É 1987: o telefone toca no meio da noite e alguém está gritando. Eu quero desligar, mas não consigo. Parece que conheço esta voz. Sim, eu conheço esta voz. É do Zé Celso. 'É meu irmão, Gerald! É meu irmão! Corra até a casa dele, Gerald. Corre vai. Por favor. Tá horrível'. Reconheci o pânico em sua voz. Fazia pouco tempo que eu estava no Brasil, na casa da minha mãe. Me vesti e corri porta afora, meus joelhos tremiam. O Luis Antônio morava a um quarteirão de lá", relembrou Gerald, em uma publicação no Instagram, nesta quarta-feira.
"Quando cheguei no prédio da Rua Maria Quitéria a polícia já estava lá e eu senti o cheiro do terror, do horror no ar. O que aconteceu? Luís Antônio Martinez Corrêa, de 37, anos havia sido assassinado", finalizou.
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