Gusman e Olacyr de Moraes eram amigos e sócios em negóciosReprodução
Publicado 15/08/2023 16:24
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São Paulo - O aposentado Miguel Garcia Ferreira, de 71 anos, que durante 36 anos trabalhou como motorista e segurança do empresário Olacyr de Moraes, o 'Rei da soja', vai ser julgado por um júri popular em São Paulo — o julgamento está marcado para iniciar às 12h15 da próxima quinta-feira, 17. Miguel é acusado pelo assassinato a tiros do ex-senador e diplomata boliviano Andrés Fermin Heredia Gusman, de 60 anos. O crime ocorreu em 2014. O réu confessou ser o autor do crime.
O julgamento, cercado de expectativa, será presidido pela juíza Marcela Raia de Santana, da 5.ª Vara do Júri da Capital, e deverá se prolongar por dois dias no Fórum Criminal da Barra Funda.
O caso
Na tarde de 4 de abril de 2014. na Avenida Oscar Americano, Morumbi, Miguel disparou quatro tiros com um revólver calibre 38, atingindo Gusman no rosto e no peito. Réu e vítima ocupavam uma Cherokee blindada - dirigida por Gusman.
A Promotoria acusa Miguel por homicídio qualificado — recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Ao confessar o crime, o motorista alegou que discutiu com a vítima porque "não suportava mais ver o patrão (Olacyr) ser enganado e extorquido" pelo ex-senador.
Nascido em Itápolis, interior de São Paulo, no dia 1.º de abril de 1931, o empresário Olacyr de Moraes foi o maior produtor individual de soja do mundo ao longo dos anos 1980, desempenho que lhe rendeu o título 'Rei da soja'.
Olacyr morreu um ano e dois meses depois do assasssinato de Gusman, em junho de 2015, aos 84 anos, devido a um câncer no pâncreas. O empresário mantinha relações comerciais e de amizade havia mais de 20 anos com Gusman, a quem recebia com frequência em sua residência, na Rua Leopoldo Couto de Magalhães, no Itaim.
O acusado relatou aos investigadores que testemunhou "diversas vezes" o ex-senador deixando o apartamento de Olacyr com sacolas de dinheiro em espécie. Ele afirmou que não pretendia matar e que "agiu por impulso".
"Eu tinha a intenção de assustar (Gusman) para que ele parasse de tirar dinheiro do senhor Olacyr, já muito adoecido na ocasião." 
Miguel contou que outros funcionários da casa de Olacyr sabiam que o ex-senador "mentia e extorquia o patrão".
No dia do crime, ele chegou à residência do empresário por volta de 9h. "Depois de tomar o café da manhã, peguei no cofre minha arma e munições, como sempre fazia. Desci até a garagem para aguardar o senhor Olacyr", narrou Miguel.
Gusman chegou às 11 horas. Levava "uma pasta marrom vazia". "Subiu, ficou cerca de quinze minutos com o senhor Olacyr e desceu com a pasta cheia", relatou Miguel, referindo-se aos R$ 400 mil entregues pelo empresário ao ex-senador.
Miguel disse que pediu uma "carona" a Gusman, que dirigia a Cherokee blindada. No caminho, apontou a arma para o ex-senador. "Pedi a ele que parasse de roubar o senhor Olacyr. Ele encostou o carro. Entramos em luta corporal pela posse da arma."
O primeiro disparo pegou de raspão o rosto de Gusman. Depois, Miguel atirou mais três vezes.
Segundo o acusado, durante o trajeto "resolveu conversar" com o ex-senador e sugeriu a ele que parasse o veículo. "Eu queria pedir a ele que não incomodasse mais o senhor Olacyr." Os dois, então, ainda dentro do carro de Gusman, teriam se atracado.
Após os quatro disparos, Miguel tomou a direção do carro. Partiu com a pasta e o dinheiro. Depois, pediu carona a uma mulher, mas foi interceptado por policiais civis e preso. Miguel confessou o crime. Após ser autuado em flagrante, ficou preso em regime preventivo durante nove meses.
O Ministério Público denunciou o ex-motorista e segurança por homicídio duplamente qualificado, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e motivo fútil — a segunda qualificadora caiu por decisão dos desembargadores da 10.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça.
A denúncia contra Miguel foi apresentada pelo promotor de Justiça José Carlos Cosenzo, hoje procurador, apenas 19 dias depois do crime.
Para o Ministério Público, Miguel "imaginou" que Olacyr era extorquido por Gusman e arquitetou o plano para executá-lo. Como estava ao volante do carro, o ex-senador ficou "impossibilitado" de se defender e reagir ante Miguel que apontava o revólver.
A Promotoria sustenta que o réu não tinha autorização para andar armado. De acordo com a denúncia, no dia do crime, Gusman havia chegado de uma viagem ao exterior "com novidades sobre negócios que ele e Olacyr de Moraes mantinham fora do país". Os R$ 400 mil que pegou com Olacyr seriam referentes a um pagamento.
Após atirar em Gusman, o acusado saiu do carro e levou a pasta marrom com o dinheiro. Em alegações finais no processo, a assistência de acusação requereu a inclusão da prática de roubo qualificado. A defesa pediu a exclusão das qualificadoras e que Miguel fosse pronunciado por homicídio simples.
Olacyr
Em seu depoimento, Olacyr de Moraes disse que "não sofreu extorsão" de Gusman e que os R$ 400 mil que ele repassou ao ex-senador no dia do crime eram referentes a "um empréstimo para ajudar o amigo a pagar despesas com a doença da esposa".
Sobre Miguel, declarou. "É uma pessoa simplória, de uma fidelidade canina. Todos os meus funcionários tinham uma cisma com Guzzman, talvez por ciúmes pois achavam que ele recebia dinheiro sem contrapartida."
Júri popular
A acusação no júri popular ficará a cargo do promotor de Justiça Moacyr Tononi Júnior. Miguel, pai de quatro filhos, é defendido por três advogados — Sérgio Rosenthal, Adriano Salles Vani e Pedro Luís Alves de Oliveira, todos destacados criminalistas.
Com ampla experiência em júri popular e uma atuação marcante na defesa do setor empresarial, Rosenthal era amigo e advogado do 'Rei da soja', a quem reverencia. "Era um empresário absolutamente íntegro."
"O senhor Miguel, homem sério, com uma vida dedicada ao trabalho honesto, nunca se havia envolvido em qualquer ocorrência policial. Ele agiu movido pelo enorme sentimento de gratidão que tinha por Olacyr. Sempre se sentiu muito devedor por tudo o que Olacyr lhe proporcionou", defende Rosenthal.
Para o criminalista, o "sentimento de lealdade acabou provocando muita indignação no senhor Miguel". "Ele só atirou diante da reação inesperada de Gusman, que avançou sobre Miguel e tentou tomar a arma dele. Nesse embate, houve os disparos. O senhor Miguel não tinha intenção alguma de matar Andres Gusman. Não premeditou nada."
Assistente de acusação
O advogado Oscar Serra Bastos Júnior vai atuar como assistente da acusação no júri de Miguel Garcia Ferreira. "Considero que houve um latrocínio. O réu saiu da cena do crime dirigindo o carro da vítima e levando a pasta com os valores (R$ 400 mil) que o senhor Gusman transportava. Se o dinheiro era do patrão (Olacyr de Moraes) ou não, ou qual era a ideia do réu, o fato é que ele levou o carro da vítima, ainda que por um curto espaço de tempo porque bateu o carro em um poste. Depois conseguiu carona de uma mulher, mas foi detido por policiais."
A tese de latrocínio, no entanto, foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça. No júri não será discutido crime patrimonial.
Oscar Serra, 23 anos de advocacia criminal, acompanha o caso desde o dia da morte de Andrés Gusman. Ele vai fazer sustentação oral no julgamento. "Vou pedir condenação a uma pena elevada", adianta o advogado.
"Vamos pensar no aspecto humano. A vítima dá uma carona para o acusado que lhe aponta uma arma e atira quatro vezes. Depois, o atirador abandona a vítima como um cachorro sem dono. Vai embora com o carro da vítima e com os valores que ela transportava. Isso revela total falta de compaixão com o próximo, coração duro, grau de frieza muito grande, descaso com a vida humana. A vítima não era um desconhecido. Gusman frequentava havia muitos anos a residência de Olacyr de Moraes. Eram amigos de passar o Natal e Ano Novo juntos."
O advogado sustenta a hipótese de crime planejado.
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