Cidade de Roca Sales após passagem do ciclone no Rio Grande do SulSILVIO AVILA / AFP
Publicado 15/09/2023 19:22
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Brasília - É falso que a entrega de doações em Lajeado, no Rio Grande do Sul, tenha sido paralisada para esperar a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). A alegação feita em vídeo por uma mulher que se identifica como voluntária e presidente de uma ONG não foi corroborada por nenhum órgão envolvido na distribuição e arrecadação das doações, nem por outros voluntários que trabalham na cidade. Não há evidências de que a entrega dos donativos tenha sido interrompida em algum momento. A comitiva do governo federal que visitou a região sequer passou por centros de doações.
Conteúdo investigado: Vídeo em que mulher afirma que o centro de distribuição de doações de Lajeado (RS) deu ordens de segurar doações para a população para aguardar a chegada do presidente Lula para fazer fotos e vídeos. Posteriormente, a mulher gravou e divulgou um segundo vídeo, dizendo que confundiu Lula com Alckmin, mas sustentou a acusação anterior, de que as doações foram paralisadas, aguardando o presidente em exercício.

Onde foi publicado: X (antigo Twitter), Telegram e WhatsApp.

Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo do vídeo em que uma mulher, que se apresenta como presidente de uma ONG de proteção animal, alega não ter conseguido retirar doações aos atingidos pela enchente em Lajeado, no Rio Grande do Sul, porque os mantimentos estavam retidos até a chegada do presidente Lula ou do vice-presidente Geraldo Alckmin. A Prefeitura de Lajeado, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul e o governo federal negam a acusação.

Em nota, a prefeitura informou que não houve suspensão de entrega de doações e classificou as informações do vídeo como "inverídicas". De acordo com o tenente-coronel Daniel Silva, chefe da Divisão de Assistência às Comunidades Atingidas da Defesa Civil, as bases de doações do estado montadas em Lajeado não realizam entregas diretamente a voluntários ou vítimas da enchente. Os mantimentos são repassados às prefeituras, que então realizam a distribuição aos que necessitam.

Ao Comprova, a assessoria de Alckmin informou que, durante sua passagem pelo Rio Grande do Sul, o então presidente em exercício sequer esteve em algum dos pontos de distribuição de doações e visitou outros locais.

O Comprova buscou voluntários que trabalharam nos centros de distribuição no dia em que o vídeo foi gravado e nenhum deles corroborou a versão apresentada pela mulher. O Comprova também entrou em contato com um veículo jornalístico local, o Grupo A Hora, e, segundo a jornalista Júlia Amaral, o jornal da cidade não recebeu nenhuma denúncia igual ou similar à do vídeo.

A Unidos Pelos Animais (UPA), ONG do município gaúcho de Sarandi, comunicou o afastamento da autora do vídeo da função de presidente, por iniciativa própria. Ainda segundo a ONG, o vídeo contém somente a opinião da, agora, ex-presidente da instituição. Nenhuma das outras voluntárias estava presente em Lajeado no dia da gravação do vídeo, "tampouco tiveram oportunidade de deliberação sobre o seu conteúdo antes de ser publicado nas redes sociais".

Em seu Instagram, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, chamou o vídeo de "fake" e afirmou que buscará a responsabilização pela divulgação do conteúdo. "Isso é crime! Isso é uma conduta de pessoas sem escrúpulos que se aproveitam de uma tragédia para tentar construir uma narrativa criminosa, falta, típica dessa conduta que o Brasil não suporta mais", disse o ministro.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, informou pelo X, já ter acionado a Polícia Federal para investigar os fatos. "Reitero que fake news é crime, não é 'piada' ou instrumento legítimo de luta política", afirmou Dino.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, até 14 de setembro, foram 101 mil visualizações, 1,7 mil retuítes e 3,3 mil curtidas. No Telegram, foram 6,7 mil visualizações até a mesma data.

Como verificamos: O Comprova tentou contato por telefone, WhatsApp e e-mail com a mulher que aparece na gravação. Também procurou a ONG Unidos Pelos Animais de Sarandi.

Em seguida, buscou esclarecimentos junto à Prefeitura de Lajeado, à Defesa Civil do Rio Grande do Sul e ao governo federal.

Por fim, entrevistou cinco voluntários que atuavam na cidade, a coordenadora do centro de distribuição de Lajeado, Bárbara Ecke, o tenente-coronel Daniel Silva, chefe da Divisão de Assistência às Comunidades Atingidas da Defesa Civil, além da jornalista Júlia Amaral, do Grupo A Hora.

O vídeo
A mulher que aparece no vídeo investigado é Samara Luzia Baum. Ela se apresenta como presidente da ONG Unidos Pelos Animaisde Sarandi, município da região norte do Rio Grande do Sul. Na gravação, ela alega que está em Lajeado para prestar apoio às ONGs do Vale do Taquari, recolhendo donativos trazidos para a região.

"Chegamos agora no centro de distribuição de Lajeado e recebemos a informação de que não vai ser liberado alimentos para ser feita a doação, esse trabalho que os voluntários estão fazendo. Eles têm que aguardar o presidente Lula chegar em Lajeado para fazer foto e vídeo e publicação em cima das doações", afirma a mulher.

Em seguida, ela pede que as pessoas compartilhem a gravação. "Que seja divulgada aí para o pessoal, para a gente ver como funcionam as coisas. As pessoas passando fome, passando necessidade, e estão esperando vim fazer politicagem em cima da tragédia alheia. Então só para repassar a informação para vocês."

O vídeo viralizou. Após reação da prefeitura e do governo federal, Samara divulgou outro vídeo, em que diz ter se confundido ao citar Lula e que, na verdade, estaria se referindo ao então presidente em exercício Geraldo Alckmin. "Me expressei errado pela raiva."

Apesar de admitir a confusão com os nomes, sustentou que esteve no centro em Lajeado e que "não conseguiu distribuição de ração". Ainda assim, ressaltou ter repassado o vídeo somente ao grupo da ONG e acrescentou que "não era para ter vazado". "Eu gravei na raiva e disse para as gurias: 'Esperem, deixem eu buscar mais informações'", afirma na segunda gravação. "Não era para ter sido postado."

O Comprova não conseguiu contato com a mulher para esclarecer em qual endereço ela teria recebido tal negativa, a que horas e por parte de quem.

A distribuição das doações em Lajeado
O centro de distribuição de doações de Lajeado foi montado no Parque do Imigrante e é coordenado pela prefeitura da cidade do Vale do Taquari. Ao Comprova, a assessoria de imprensa do município detalhou como o espaço está organizado. As doações concentradas no Parque do Imigrante são destinadas apenas a moradores da cidade vítimas da enchente.

A entrega das doações aos atingidos é centralizada em um dos pavilhões do parque e, conforme a prefeitura, para retirar os itens necessários "pessoas afetadas pela enchente devem se cadastrar na Assistência Social". Há um ponto de atendimento no próprio local.
No ato do cadastro, a pessoa que representa a família atingida informa de quais itens precisa e, em seguida, é encaminhada a outro pavilhão, onde é recebida por um servidor, que a acompanha na retirada das doações. "Além disso, equipes da prefeitura transitam por locais atingidos e oferecem itens de necessidade básica para auxiliar na volta para casa", diz nota enviada pela prefeitura ao Comprova.

Coordenadora do espaço, Bárbara Ecke explica que os voluntários de outras cidades que procuram o centro para retirar mantimentos e levar a uma família atingida, por exemplo, precisam passar algumas informações básicas para controle da prefeitura sobre a destinação das doações, como o endereço da família vítima da cheia e o número de moradores da casa.

"A gente com certeza não nega ajuda. A gente só busca essas informações justamente para não ter esse problema de ter a mesma família sendo ajudada várias vezes e deixando desassistidas, muitas vezes, outras", explica.

Além do centro organizado pelo município, existem ainda dois pontos em Lajeado que concentram doações. Estes são de responsabilidade do governo estadual e não atendem particulares. As doações ali agrupadas são destinadas exclusivamente às prefeituras para que os governos municipais repassem esses mantimentos aos necessitados. Os portões dessas duas bases montadas na cidade permanecem fechados à comunidade, pois não são pontos de distribuição de doações às vítimas.

A visita de Alckmin ao Rio Grande do Sul
No fim de semana seguinte às enchentes, Alckmin visitou as cidades mais atingidas no Vale do Taquari, mas não esteve em nenhum desses endereços de centros de doações. Ele desembarcou em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, na manhã de domingo, 10 de setembro.

Conforme sua assessoria, de lá, ele seguiu até a Universidade do Vale do Taquari (Univates), em Lajeado, onde chegou por volta das 9h20 acompanhado de uma comitiva de ministros. O local serviu de ponto de encontro da comitiva com as demais autoridades que já estavam no Rio Grande do Sul.

O grupo então partiu para Roca Sales, onde Alckmin visitou o hospital de campanha e percorreu os locais mais afetados pelas chuvas. Na sequência, o presidente em exercício esteve em Muçum para, já no fim da manhã, voltar à Univates, em Lajeado, onde participou de reuniões com empresários locais e prefeitos, além de conceder entrevistas a jornalistas. Os compromissos se encerraram por volta das 15 horas, quando a comitiva retornou a Brasília.

Ao Comprova, a assessoria de imprensa de Alckmin ressaltou que o vice-presidente não visitou qualquer centro de distribuição de doações no estado. Lula tampouco. No dia da visita, ele estava na Índia para participar da 18ª edição da cúpula de chefes de Estado e governo do G20. O encontro ocorreu nos dias 9 e 10 de setembro em Nova Délhi, capital indiana.

Prefeitura e Defesa Civil estadual negam interrupção ou desassistência
Em nota divulgada nas redes sociais, a administração municipal desmentiu a alegação feita pela mulher. "A Prefeitura de Lajeado informa que não houve suspensão de entrega de doações, conforme informações inverídicas que circularam em vídeo. As doações continuam sendo recebidas e entregues a quem está cadastrado."

O prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo (PP), também negou o boato em publicação no Instagram. "Não recebemos nenhuma orientação de nenhum governo, nem tampouco cumpriríamos tal absurda determinação se viesse."

O Comprova conseguiu o contato de cinco voluntários que ajudavam no centro de distribuição da prefeitura no dia em que o vídeo foi divulgado. Todos negaram ter testemunhado qualquer tipo de interrupção na distribuição das doações.

"Por mim não passou essa situação ou algo similar", afirmou o voluntário Jean Carlos Schneider, que trabalhou no Parque do Imigrante no fim de semana.

Procurada pelo Comprova, a jornalista Júlia Amaral, do Grupo A Hora, de Lajeado, disse que o jornal também não soube de outros voluntários que tenham denunciado essa suposta retenção de doações. Segundo ela, ninguém procurou o jornal para fazer a mesma denúncia ou similar.

Em relação às bases de responsabilidade do governo estadual montadas na cidade, a assessoria de imprensa da Defesa Civil do RS esclareceu que o fluxo de destinação das doações recebidas passa, necessariamente, pelas prefeituras.

"As defesas civis dos municípios e as secretarias de assistência social dos municípios atingidos estão fazendo essa triagem. Então, toda e qualquer pessoa que precise de algum item deve procurar a assistência social do seu município, que está fazendo esse cadastro e centralizando as demandas."

Responsável pelas bases de Lajeado, o tenente-coronel Daniel Silva, chefe da Divisão de Assistência às Comunidades Atingidas da Defesa Civil, reforça que ninguém pode retirar doações nesses endereços além das prefeituras. "Ninguém retira, a gente leva, de regra, ou a prefeitura pode vir, mas tem toda uma comunicação via Defesa Civil", esclarece.

Sobre o vídeo, especificamente, ele acrescenta que a região tem recebido cestas de alimentos enviadas pelo governo federal aos atingidos pelas enchentes, via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mas que Alckmin e a comitiva de ministros não passaram pelos centros de doações. "Não entrou nem na agenda do presidente eles irem até lá tirar foto, isso aí não aconteceu", afirma.

A Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência divulgou nota, ressaltando que "a gestão das doações é realizada pelos próprios municípios e pelo governo estadual, sem interferência alguma do governo federal".

ONG divulga nota sobre afastamento da presidente
No dia 12 de setembro, a ONG UPA – Unidos Pelos Animais, da qual Samara Baum era presidente, divulgou uma nota referente à repercussão do vídeo pelo seu Instagram. De acordo com a organização, Samara solicitou seu desligamento do cargo de presidente e responsável técnica veterinária de um dos projetos da ONG.

Ainda segundo a nota, o vídeo contém somente a opinião da, agora, ex-presidente da instituição, visto que nenhuma das outras voluntárias estava presente em Lajeado no dia da gravação do vídeo, "tampouco tiveram oportunidade de deliberação sobre o seu conteúdo antes de ser publicado nas redes sociais".

Ademais, a nota afirma que todas as doações recebidas em Sarandi foram "devidamente encaminhadas para a região atingida pelas enchentes e distribuídas aos necessitados".

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com Samara Baum por ligação telefônica e por mensagem no WhatsApp, mas não obteve retorno. Após a viralização do vídeo, a médica veterinária privou seus perfis nas redes sociais, impedindo envio de mensagem por parte de pessoas que não são suas seguidoras.

O que podemos aprender com esta verificação: A autora do vídeo utiliza um tom alarmante associado a uma denúncia grave sobre um tema sensível, porém sem apresentar detalhes, como o nome do centro de distribuição onde isso teria ocorrido ou quem teria informado que as doações não estavam sendo distribuídas, nem outras provas que corroborem a denúncia. É importante estar atento a esses sinais como indícios da propagação de desinformação e utilizar canais oficiais para tirar as dúvidas sobre o assunto ou consultar veículos de comunicação de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O mesmo vídeo foi verificado por outras agências de checagem (Estadão Verifica, UOL Confere, Aos Fatos, Lupa e Fato ou Fake).

Recentemente, o Comprova checou outra peça de desinformação envolvendo as enchentes no Vale do Taquari. Mostrou que barragens na região não têm comportas que poderiam controlar o fluxo de água e que cheia foi causada por ciclone.
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