Publicado 19/02/2024 14:41
As declarações do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no domingo, 18, resultaram em notas de repudio da comunidade judaica brasileira e de entidades especializadas que trabalham com a memória do Holocausto. Lula também causou um desconforto diplomático com Israel, que declarou que ele é persona non grata no país até se desculpar. O presidente brasileiro comparou a ofensiva israelense na Faixa de Gaza com o extermínio de judeus feito pela Alemanha Nazista no regime de Adolf Hitler, de 1933 a 1945.
"O que está acontecendo em Gaza não aconteceu em nenhum outro momento histórico, só quando Hitler resolveu matar os judeus", disse Lula em coletiva de imprensa no domingo, em Adis Abeba, Etiópia. O presidente brasileiro também criticou Israel ao afirmar que Tel-Aviv não obedece a nenhuma decisão da ONU e afirmou que defende a criação de um Estado palestino. Para Lula, o conflito "não é uma guerra entre soldados e soldados, é uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças", afirmou. "Não é uma guerra, é um genocídio", completou o presidente brasileiro.
As comparações feitas por Lula foram apontadas como problemáticas por entidades especializadas na preservação da memória do Holocausto. Saiba mais sobre o Holocausto e porque as falas de Lula causaram uma crise diplomática entre Brasília e Tel-Aviv.
O que foi o Holocausto
Holocausto é o nome do genocídio cometido pelo regime da Alemanha Nazista de 1933 a 1945, ao longo da Segunda Guerra Mundial. Seis milhões de judeus de toda a Europa foram mortos. Os nazistas também exterminaram ciganos, homossexuais e testemunhas de Jeová. Os judeus usam o termo "Shoah", que significa catástrofe em hebraico para se referir ao período.
A principal motivação foi a ideologia antissemita do regime nazista liderado por Adolf Hitler. Entre 1933 e 1941, o regime retirou todos os direitos da comunidade judaica e os judeus não podiam ter propriedade. Eles tinham que andar com uma marca identificando-os como judeus e ficaram concentrados em guetos em diversas cidades da Europa, antes de serem deportados para campos de concentração como Auschwitz e Treblinka, na Polônia, no que seria considerada como a "solução final" dos nazistas para exterminar os judeus.
Nos campos de concentração e trabalho, os judeus eram obrigados a fazer trabalhos forçados e também foram vítimas de extermínios em massa com o uso de câmaras de gás.
A maior comunidade judaica da Europa era na Polônia, que contava com 3,3 milhões de judeus antes do Holocausto, 10% da população do país na época, segundo o site do Memorial do Holocausto em Jerusalém. Após a ocupação nazista, que começou em 1939, apenas 380 mil judeus sobreviveram.
Simbologia
Entidades especializadas em preservar a memória do Holocausto repudiaram as declarações do presidente e explicaram de forma didática porque as declarações de Lula são problemáticas.
Em nota, o Museu do Holocausto do Brasil, com sede em Curitiba, destacou que existe uma seletividade cruel de se comparar Israel, Estado judeu criado em 1948 após o extermínio de 6 milhões de judeus no Holocausto, com o regime de Adolf Hitler. Para o museu, ao fazer esta declaração, Lula não atinge apenas Israel, mas todos os judeus.
"Ao utilizar de forma deliberada a memória do Holocausto num viés deturpado e negacionista para criticar especificamente Israel (e nenhum outro país ou ator político, em qualquer outro contexto), o presidente opta por adotar um tom ofensivo contra seus concidadãos, judeus brasileiros", aponta a entidade. 120 mil brasileiros se identificam como judeus no Brasil, segundo dados da Confederação Israelita Brasileira (Conib), a segunda maior comunidade judaica da América Latina, atrás apenas da Argentina.
A nota divulgada no domingo, destaca que o ato de criticar Israel nos mesmos termos que se critica qualquer outro país não é antissemita. "Este não parece, entretanto, o método de análise e parecer do governo brasileiro e dos nomes que o circundam", aponta o Museu do Holocausto.
A declaração da entidade termina destacando que as declarações de Lula ocorrem em um momento de aumento do antissemitismo no Brasil no contexto da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. "Esperávamos que o presidente da República compreendesse a perversidade de declarações como essa e amenizasse esta forma de racismo dentro do seu próprio país. Racismo e antissemitismo caminham juntos, com os mesmos pressupostos e as mesmas bases. Combatê-los é uma necessidade diária e inerente a todos nós, e uma das formas é criar pontes e canais de diálogo. E o Museu do Holocausto sempre se apresentou como um interlocutor."
Aumento do antissemitismo
Desde o começo da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, ocorreu um aumento nos casos de antissemitismo no Brasil, segundo a Conib. Em novembro, um mês após os ataques terroristas do Hamas, entidades judaicas afirmaram que registraram um aumento de 1.200% nos casos de antissemitismo.
A entidade que representa a comunidade judaica no Brasil abriu um canal de denuncias de antissemitismo junto com a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp). As denúncias são enviadas diretamente para as autoridades competentes.
Em entrevista ao Estadão em novembro do ano passado sobre o aumento de casos de antissemitismo e islamofobia no Brasil após o inicio da guerra, o professor Michel Gherman, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor acadêmico do Instituto Brasil Israel (IBI), apontou que o antissemitismo já estava presente no Brasil antes da guerra. "O 7 de outubro foi mais do que um ato terrorista, foi um massacre, estruturado por referências genocidárias, o que se seguiu foi uma reação desproporcional das Forças de Defesa de Israel em Gaza. Se isso tudo produziu antissemitismo, é sinal de que o antissemitismo já estava aqui antes."
Declarações de Lula
O presidente brasileiro tem emitido declarações sobre a guerra na Faixa de Gaza desde o inicio do conflito, mas elevou o tom das críticas em seu giro pela África, onde conversou com líderes importantes como o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, durante visita ao Cairo e o primeiro-ministro da Autoridade Palestina (AP), Mohammad Shtayyeh, em Adis Abeba.
Após as comparações de Lula, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, foi simbólico ao escolher conversar com o embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, no Yad Vashem, o Memorial do Holocausto em Jerusalém, nesta segunda-feira, 19. Katz anunciou ao lado do embaixador brasileiro a notícia de que Lula não é bem-vindo em Israel até que peça desculpas pelas suas declarações.
A guerra no enclave palestino começou no dia 7 de outubro do ano passado, quando terroristas do Hamas invadiram o território israelense, mataram 1.200 pessoas e sequestraram 240. A ação é considerada o pior ataque contra judeus desde o Holocausto e o pior ataque terrorista da história de Israel. Depois dos atos terroristas do Hamas, Tel-Aviv iniciou uma operação na Faixa de Gaza, com bombardeios aéreos e invasão terrestre, que resultaram na morte de mais de 28 mil palestinos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo grupo terrorista Hamas.
Desde o início da guerra, a relação entre o governo Lula e Israel vem sendo marcada por diversas rusgas, como quando o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, participou de uma reunião na Câmara dos Deputados em que o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro também compareceu. A demora pela liberação da saída de brasileiros que estavam na Faixa de Gaza também azedou a relação entre Brasília e Tel-Aviv.
As relações entre Brasília e Tel-Aviv eram melhores no governo de Jair Bolsonaro, que chegou a viajar a Israel. Netanyahu também viajou ao Brasil para participar da posse do ex-presidente em 2019.
No governo Dilma Rousseff, Israel chegou a chamar o Brasil de "anão diplomático" depois que a ex-presidente chamou o então embaixador brasileiro em Tel-Aviv para consultas em 2014, em meio a uma guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. "Essa é uma demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático", apontou Tel-Aviv na época.
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