Publicado 20/03/2024 13:25
Nesta quinta-feira, 21, acontece no Tribunal Regional Federal da 6ª Região a audiência de instrução do processo contra dois réus acusados de planejar atentados terroristas contra alvos da comunidade judaica no Brasil. Lucas Passos Lima e o libanês naturalizado Mohamad Khir Abdulmajid são apontados pela Polícia Federal como membros do Hezbollah — grupo terrorista baseado no Líbano e que conta com apoio do regime xiita do Irã. O segundo encontra-se foragido e as autoridades acreditam que ele esteja no exterior. Seu nome já se encontra na lista vermelha da Interpol. Ambos foram detidos pela PF durante a Operação Trapiche, iniciada em outubro e concluída no mês seguinte.
A Operação Trapiche foi desencadeada após as autoridades brasileiras receberem relatórios do FBI (polícia federal dos Estados Unidos) e do serviço de inteligência de Israel, o Mossad. Na ocasião, norte-americanos e israelenses alertaram para o risco iminente de ações terroristas coordenadas pelo Hezbollah no Brasil. Os alvos seriam prédios da comunidade judaica, como sinagogas e sedes de entidades. Lima foi detido ao desembarcar no aeroporto de Guarulhos vindo do Líbano.
No entanto, a ameaça de atos terroristas contra a comunidade judaica no Brasil se mantém mais viva do que nunca. As investigações apontam para uma sofisticada rede de lavagem de dinheiro e cooptação de pessoas para as ações do Hezbollah no País. Publicado pelo Instituto Internacional de Contraterrorismo (ITC, na siga em inglês) da Universidade Reichman, de Israel, o relatório “Conspiração terrorista do Hezbollah no Brasil” — elaborado por Emanuele Ottolenghi — expõe como o grupo libanês vem atuando no País.
Ottolenghi revela como o Hezbollah utiliza recursos oriundos do tráfico de drogas, esquemas de lavagem de dinheiro e trabalho de cooptação de presidiários para o planejamento de atentados. De acordo com o relatório, o libanês naturalizado brasileiro Haissam Houssim Diab, um dos mentores dos ataques, teria conexões com o Componente de Assuntos Empresariais (BAC), área especializada da Organização de Segurança Externa (ESO) do Hezbollah. A ESO é responsável por organizar e executar ações terroristas em várias partes do mundo.
Quem é Diab?
Na prática, o BAC cuida essencialmente de negócios relacionados ao tráfico e à lavagem de dinheiro. Além disso, é responsável por organizar atentados, adquirir armas e dar suporte às famílias dos terroristas presos ou mortos. De acordo com o relatório de Ottolenghi, “Diab poderia ser um integrante do BAC”, já que ele “é claramente um simpatizante do Hezbollah”. A suspeita assume ares de certeza quando se visita o perfil de Diab no Facebook. Na sua página da rede social, há a foto de Mustafa Badreddine, uma homenagem ao falecido comandante do BAC.
Segundo o relatório, Diab seria o responsável pela lavagem do dinheiro do Hezbollah no Brasil. Para justificar a afirmação, Ottolenghi cita uma intrigada rede de conexões internacionais e menciona a operação policial feita pela polícia paraguaia em 2017. Na ocasião, as forças de segurança prenderam em Ciudad del Este o traficante libanês Akram Abed Ali Kachmar. O criminoso era ligado Ali Issa Chamas, narcotraficante e financista do grupo, atualmente cumprindo pena de prisão no Paraguai.
Hospedado na casa Kachmar, Diab não foi preso, porém teve o celular apreendido. A análise dos dados do aparelho revelou que, entre os contatos, havia o número da linha pertencente a Sabih Fayal, financiador do Hezbollah radicado na região da Tríplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai).
As suspeitas em realação a Diab ganham ainda mais peso quando se sabe que o Tesouro dos Estados Unidos aplicou em 2006 sanções contra Fayal por lavagem de dinheiro.
“Com base nessas conexões, Diab, como outros libaneses estabelecidos na Tríplice Fronteira, pode muito bem atuar como um canal para o Hezbollah, ajudando a movimentar recursos dos seus contatos para casas de câmbio que têm apoiado o Hezbollah há anos na lavagem de dinheiro do tráfico”, alerta Ottolenghi.
Ligações suspeitas
O irmão de Diab, Hicham Hussein, também está envolvido em atividades suspeitas. Segundo investigações da PF, ele é membro do Centro Islâmico Xiita de Brasília (CCBIB) e mantém ligações com Abdulmajid, libanês naturalizado brasileiro o foragido da Operação Trapiche. Outro contato de Hicham Hussein é Sayid Marcos Tenório, um filiado ao PCdoB convertido ao Islã.
A PF interceptou uma troca de mensagens entre Abdulmajid e Tenório, na qual o brasileiro se refere ao Skeik Ibrahimi, também conhecido como Mohammed Sadeq Maadel. Ottolenghi identifica nessa relação mais uma suspeita.
“É possível que o Sheik Abrahimi (...) faça parte da estrutura clerical do Hezbollah e seja provavelmente o novo chefe do seu Departamento se Relações Internacionais (FRD) no Brasil”, destaca o relatório.
O FRD atua como o elemento de ligação entre o regime iraniano, principal apoiador do Hezbollah, e as comunidades xiitas espalhadas pelo mundo. Cabe ao departamento, entre outras atribuições, coordenar o trabalho de cooptação de pessoas dispostas a realizar atentados terroristas, principalmente contra a comunidade judaica.
‘Guerra por procuração’
O Hezbollah desenvolveu uma nova estratégia de recrutamento de quadros, buscando entre a população local pessoas dispostas a praticar atentados. Esse método ficou conhecido na América Latina como “guerra por procuração”. Engana-se quem pensa que a ela se destina a atrair convertidos ao Islã. Na verdade, o grupo terrorista busca a participação de pessoas dispostas a ganhar dinheiro, sem envolvimento direto com a ideologia do grupo. Os presídios são as principais “fontes” dessa mão de obra.
A Polícia Federal teve acesso a um áudio no qual um brasileiro — cuja identidade não foi revelada — conversa com Abdulmajid sobre possíveis executores de atentados, pessoas dispostas a matar, colocar bombas em prédios da comunidade judaica e realizar outras ações violentas. “O que quer que você queira fazer, encontrarei pessoas para você”, explica o interlocutor para Abdulmajid.
A estratégia do Hezbollah é simples. Ela se aproveita da onda de antissemitismo no Brasil e busca nos presídios elementos suscetíveis ao discurso radicalizado da organização terrorista. No entanto, não é a ideologia que move essas pessoas, mas apenas o ganho financeiro imediato. A prática se assemelha à utilizada pelos “sicários”, assassinos de aluguel utilizados pelo narcotraficante colombiano Pablo Escobar nos anos de 1980. As “empreitadas” encomendadas aos executores contratados pelo Cartel de Medelin iam da execução de autoridades até a colocação de bombas em prédios públicos e aviões.
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