Publicado 23/05/2024 09:58
O novo edital lançado pelo governo de São Paulo para substituir e ampliar o número de câmeras corporais da polícia do Estado prevê que a gravação poderá ser iniciada e finalizada pelo próprio agente localmente. Atualmente, o modelo funciona com gravação ininterrupta. Especialistas apontam que a brecha pode ter um impacto negativo sobre a qualidade e a eficácia do registro. A Secretaria da Segurança diz que o edital levou em consideração estudos técnicos, e avaliações apontaram problemas relativos à autonomia da bateria dos equipamentos e da capacidade de armazenamento no cenário da gravação contínua.
PublicidadeO governo paulista anunciou nesta semana que pretende adquirir 12 mil novos equipamentos para substituir as 10,1 mil câmeras portáteis em funcionamento atualmente. A aquisição representa uma ampliação do programa em mais de 18%. O programa foi implementado em 2020 na gestão do então governador João Doria (PSDB) e colheu resultados positivos na redução de indicadores de mortes cometidas por policiais em serviço; essa tendência de queda se inverteu durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que acumula altas no último ano.
Na seção de requisitos, o edital do governo prevê que a câmera operacional portátil (COP) deverá "permitir iniciar e finalizar a gravação de forma remota" e "permitir iniciar e finalizar a gravação de forma local".
Em outro ponto, que reúne informações sobre o "tipo de vídeo", o edital determina que "a COP irá gravar o vídeo intencional (ou vídeo de ocorrência)", definido como um material captado a partir do acionamento "do policial militar, local ou remotamente".
"Encerrado o vídeo intencional, a COP deverá voltar automaticamente ao modo de espera", aponta outro trecho.
Outro ponto é que o edital afirma que, "para armazenamento, seja em nuvem ou co-location, os arquivos devem estar disponíveis para visualização imediata (hot storage) durante 30 (trinta) dias", o que representa uma redução em relação aos 90 dias dos editais antigos.
A previsão representa na prática uma mudança em relação ao modelo atual, em que há uma gravação contínua. No chamado modo de rotina, a câmera grava em qualidade inferior e sem captação de áudio. No modo de gravação intencional, quando o policial aciona o dispositivo durante uma ocorrência, por exemplo, a gravação passa a ocorrer em maior qualidade e com captação de áudio.
Atualmente, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à própria Axon, empresa que fornece os equipamentos aos policiais, o que diminui a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que o edital lançado nesta quarta-feira, 22, "foi estruturado a partir de estudos técnicos e da análise da experiência do uso da tecnologia por forças de segurança em outros países".
"As avaliações apontaram a maior incidência de problemas de autonomia de bateria nos equipamentos de gravação ininterrupta, bem como a elevação dos custos de armazenamento, vez que parte expressiva do material captado não é aproveitada. Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema", disse.
"Deste modo, a pasta optou por um modelo de câmera com acionamento manual e remoto, ampliando as funcionalidades em relação ao equipamento anterior. Ao despachar uma ocorrência ou ser notificada por uma equipe, o Copom terá condições de verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial", afirmou.
Caso negativo, o dispositivo é acionado remotamente pela central de operações da PM, segundo a secretaria. A pasta afirmou ainda que "o acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema. O policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado".
"Todas as imagens captadas por meio dos equipamentos poderão ser acessadas de forma imediata e também ficarão armazenadas em um data center da Polícia Militar por tempo indeterminado. Atualmente, 10.125 câmeras corporais estão disponíveis, as quais permitem cobrir 52% do trabalho operacional no Estado. Com o novo edital, além de manter a cobertura atual e aperfeiçoar a tecnologia, haverá uma expansão de 18%, permitindo atender também outros comandos de policiamento", complementou a secretaria.
Especialistas veem impacto negativo com mudança no modelo de gravação
"As avaliações de impacto indicam que, quando você não tem a gravação (das ocorrências) em tempo contínuo, o efeito sobre o uso da força diminui muito", diz o pesquisador Daniel Edler, no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
"O que o governo está fazendo é descaracterizar completamente as câmeras. Ele está mantendo o argumento de que vai expandir o projeto, até porque as câmeras têm cerca de 90% de aprovação da sociedade, mas, na verdade, está transformando as câmeras em instrumentos operacionais e acabando com a ideia de ser um instrumento de fiscalização policial", complementa.
A pesquisadora Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), compartilha da opinião. "Por que reduzir a exigência (de câmeras ligadas ininterruptamente) se, em tese, eles estão contratando um serviço muito mais sofisticado e com mais tecnologia embutida?"
Entre as funções técnicas previstas no novo contrato está a integração com o programa Muralha Paulista, rede de segurança que interliga câmeras e radares em diferentes cidades para prevenir e controlar a criminalidade.
De acordo com o divulgado nesta quarta-feira pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), as câmeras terão recursos de reconhecimento facial para identificação de foragidos, além de placas de veículos roubados ou furtados. O armazenamento de imagens e o sistema de baterias serão aprimorados - o novo edital exige que cada equipamento possua outro equivalente para recargas, processamento e uploads de arquivos.
As câmeras adquiridas por meio dos contratos anteriores serão devolvidas à empresa que ganhou a licitação na época. Hoje, elas estão distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino. "Porém, se necessário, a PM vai renovar o acordo para manter essas câmeras em funcionamento até o término da nova licitação, para que não haja a interrupção no uso das câmeras", informou o órgão.
O primeiro contrato (3.125 câmeras) vence em 1º junho e o segundo contrato (7 mil câmeras) vence em 18 de julho. O órgão reafirmou ao Estadão que "não haverá interrupção no uso das câmeras pelos agentes". (Colaborou Gonçalo Junior)
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