Publicado 16/07/2024 18:47
Eleito sob a narrativa de candidato "outsider" e com um discurso duro quanto à segurança pública e ao combate da corrupção, o ex-juiz federal Wilson Witzel surfou na popularidade do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro para surpreender Eduardo Paes e Romário nas eleições ao governo do Rio de Janeiro em 2018. A relação siamesa de Witzel e Bolsonaro na campanha, com a repetição de discursos e pautas, foi rompida menos de um ano após o início dos mandatos dos dois políticos nos Executivos fluminense e federal com ataques e acusações de crimes.
PublicidadeO áudio da reunião em que Bolsonaro discutiu estratégias para anular o inquérito das "rachadinhas" contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ) - o entusiasta oficial do clã Bolsonaro à candidatura de Witzel - explicita como a relação entre o ex-presidente e o ex-governador do Rio ruiu.
Bolsonaro diz na reunião com o general Augusto Heleno (então chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, em agosto de 2020, que Witzel tentou negociar uma vaga no Supremo Tribunal Federal em troca de "resolver" a investigação que mirava o Flávio Bolsonaro, filho "01" do ex-chefe do Executivo. Na data, Bolsonaro e Witzel já estavam rompidos politicamente.
Nesta segunda-feira, 15, Wilson Witzel disse, em nota, que Bolsonaro "deve ter se confundido" e que "não foi a primeira vez" que mencionou conversas que eles nunca tiveram.
A relação simbiótica entre o capitão reformado do Exército e o ex-juiz federal foi intermediada por Flávio Bolsonaro durante a campanha de 2018. Nove dias antes do primeiro turno, no dia 29 de setembro, Flávio Bolsonaro apareceu ao lado de Witzel pela primeira vez em uma carreata em Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio.
Sem o apoio formal de Bolsonaro e com sinalizações discretas da família, Witzel investiu na emulação das pautas bolsonaristas para se associar ao então presidenciável. A estratégia funcionou O ex-juiz federal terminou o primeiro turno com 41,28% dos votos válidos contra 19,56% de Eduardo Paes, então favorito no pleito. No segundo turno, o resultado se repetiu e Witzel foi eleito com 59,87% a 40,13% de Paes.
Em seu discurso pós-vitória, Witzel agradeceu a família Bolsonaro: "Eu não peguei carona, não usei de bengala, dei as mãos e fui abraçado por este movimento de renovação. Quero manifestar gratidão a um jovem senador (Flávio Bolsonaro) que, num gesto simbólico, contrariando até mesmo o 01 (Jair Bolsonaro), me deu a mão, numa caminhada em Nova Iguaçu, e falou 'salva o Rio de Janeiro, Wilson'", disse o governador eleito na época.
Menos de um ano após tomar posse no Palácio Guanabara, sede do Executivo fluminense, Witzel revelou o desejo pela cadeira do aliado em Brasília. Em uma entrevista à atriz Antonia Fontenelle em agosto de 2019, o governador do Rio afirmou que pretendia ser presidente.
"Meu desejo é ser presidente da República. De preferência, sucedendo ao presidente Jair Bolsonaro", afirmou.
Dois meses após a declaração de Witzel, o Jornal Nacional, da TV Globo, revelou uma citação a Bolsonaro nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco. O porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, onde morava Jair e Carlos Bolsonaro, contou à polícia que, horas antes do crime, Élcio de Queiroz, que dirigiu o carro usado na emboscada contra Marielle, entrou no Vivendas e disse que iria para a casa do então deputado Jair Bolsonaro.
De acordo com a TV, o porteiro do condomínio afirmou em depoimento que ligou para a casa 58 e o "seu Jair" atendeu e autorizou a entrada de Elcio. O então deputado, porém, estava em Brasília, conforme registros da Câmara.
A divulgação do depoimento causou revolta em Bolsonaro, que acusou Witzel de "vazar" as informações do processo judicial que tramitava sob sigilo. No dia seguinte à veiculação da reportagem, em 30 de outubro, Bolsonaro acusou Witzel de atuar em conluio com o delegado da Polícia Civil encarregado pelo caso para tentar incriminá-lo. Segundo Bolsonaro, Witzel o informou sobre a investigação, que corre em segredo de Justiça, no dia 9 de outubro.
"No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação de que eu poderia estar envolvido na morte da Marielle", disse Bolsonaro em Riad, na Arábia Saudita, onde cumpria agenda.
O caso marcou o rompimento total entre Witzel e Bolsonaro. No ano seguinte, em 2020, quando ocorreu a reunião entre Bolsonaro, general Heleno, Ramagem e a defesa jurídica de Flávio, Jair Bolsonaro afirmou que o ex-governador do Rio de Janeiro tentou negociar uma vaga no STF.
"Ano passado, no meio do ano, encontrei com o Witzel, não tive notícia [inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. Me dá uma vaga no Supremo", relatou Bolsonaro no encontro, realizado um mês depois da prisão de Fabrício Queiroz, peça-chave na investigação sobre as "rachadinhas" no gabinete de Flávio, quando era deputado estadual do Rio.
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