Fernando Lancelot denunciou síndica por suposta injúriaArquivo pessoal
Publicado 23/07/2024 09:06 | Atualizado 23/07/2024 14:50
Um ex-funcionário denuncia a síndica de um prédio residencial de alto padrão dentro de um complexo hoteleiro em Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, por injúria. Luis Fernando da Silva, 29 anos, abriu um boletim de ocorrência contra Myrthes Eduarda Marques, 65 anos, por supostamente comparar seu cabelo de "pelo de cachorro" e chamar de "ridículo". O caso está sendo investigado pela 2ª DP (Barueri) como injúria.
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Fernando Lancelot, como prefere ser chamado, foi contratado em junho de 2023 como coordenador de eventos da unidade comercial do complexo de hotéis do Quality Suítes Alphaville – anexo ao prédio residencial em que a mulher mora – por uma empresa terceirizada. Segundo o ex-funcionário, ele chegou a perguntar se deveria cortar o cabelo antes de assumir o cargo e foi orientado que não precisava.
"Assim que fui admitido, questionei à gerente do RH se meu cabelo seria algum problema para a contratação e ela disse que não. Então acreditei que não seria necessário cortar", disse. Segundo ele, o cabelo volumoso e ondulado lhe permite fazer trabalhos freelancers como modelo.
No entanto, após alguns episódios de desavenças entre Fernando e a síndica, Myrthes teria dito que o cabelo dele estava inadequado ao ambiente de trabalho e passou a criticá-lo.
Em janeiro deste ano,  o então coordenador pediu à síndica uns dias de folga para compensar um banco de horas ao qual ele teria direito. Foi quando Myrthes teria iniciado as supostas injúrias. Segundo Fernando, ela teria falado: "Corta esse cabelo, tá parecendo pelo de cachorro e está ridículo, feio".
O ex-funcionário relatou ter ficado paralisado e um outro funcionário teria colocado a mão no rosto, em desaprovação. Em seguida, ele se retirou da sala. "Eu não esperava isso no meu ambiente de trabalho", desabafou.
Fernando relatou que, devido ao medo de ser desligado, não abriu um boletim de ocorrência na época. Além disso, ele conta que outros funcionários também tinham receio de contrariar a síndica.
"Eu tinha contas a pagar, se eu fizesse qualquer coisa seria demitido. Então preferi seguir com a minha rotina", falou. Ele contou que Myrthes fazia valer o fato de ser proprietária de diversas unidades no estabelecimento, além de esposa de um desembargador, para impor as regras no local.
De acordo com o ex-funcionário, por diversas vezes ela destacou essa condição. "Eu quero que vocês entendam que esse hotel é diferente de outros, aqui a lei sou eu", teria dito.
Fernando foi demitido no dia primeiro de abril. Após alguns dias, ele contou que retornou para perguntar o motivo da demissão. Ao ser questionada sobre as supostas injúrias, a síndica afirmou não recordar de ter comparado o cabelo do rapaz com pelos de um cachorro, afirmou que pediu para que ele o cortasse e admitiu que "pode ter dito que era ridículo". O diálogo foi gravado pelo ex-funcionário.
"No dia 22 de abril, eu retornei ao condomínio e perguntei para a Myrthes o porquê da demissão. Foi quando ela me confirmou que um dos motivos foi o meu cabelo e que ela já tinha pedido gentilmente para eu cortar, entrar no hotel com ele preso. Além disso, falou que era uma falta de respeito com o cliente, sendo que nunca faltei com respeito com nenhum", contou.
Nesse dia, o ex-funcionário se dirigiu à 2ª DP (Barueri) e abriu uma ocorrência contra a síndica. O caso foi registrado como injúria. De acordo com nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a "Polícia Civil instaurou um inquérito policial e realiza diligências, bem como vai ouvir a vítima para coletar mais informações e outros elementos que auxiliem no total esclarecimento do caso", afirmou.
Advogado questiona tipificação
 
Renato Sanchez, advogado que representa o ex-funcionário, questionou a registro do incidente como injúria, o que obriga o obrigaria a entrar com uma queixa-crime contra a mulher. Segundo a defesa, o incidente deveria ser enquadrado como injúria racial, uma vez que "ofende a honra" do cliente.
 
"Quando o Fernando relata que houve ofensa de cunho racista e preconceituoso, fazendo a comparação do seu cabelo comparado com um pelo de cachorro, não poderia de modo algum ser dimensionado a crime de injúria comum do código penal e, sim, uma injúria racial, que foi inserida na lei 7716/89 que trata da lei de crimes de racismo e preconceito racial", explicou.
 
Renato ressaltou que caso fosse classificado como injúria racial, não seria necessário o ingresso de uma queixa-crime e o caminho seria uma representação automática ao Ministério Público. Ele acrescentou que a defesa entrará com uma ação contra a síndica.
 
"Nós vamos entrar com uma representação no MP para que ela seja responsabilizada e tenha as condutas reparadas para que ela nunca mais afronte qualquer pessoa com objetivo de subalternizar qualquer pessoa ou cometer crime racial", concluiu.
 
Em relação ao questionamento do advogado, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que " a natureza inicial do registro pode mudar no decorrer do inquérito sem qualquer prejuízo à apuração dos fatos", destacou.
 
Síndica nega acusação e acionará a Justiça
Procurada pelo DIA, a síndica negou as acusações. Segundo Myrthes, a relação com o Fernando já não era boa e o acusou de ser "agressivo, ofensivo e indelicado".
"Eu sou síndica há 14 anos no complexo hoteleiro. Me reportei a ele (o ex-funcionário) somente três vezes, pois o setor dele não era vinculado ao meu. E a demissão dele já estava programada desde o segundo mês de trabalho. Ele sempre foi agressivo, ofensivo, indelicado comigo e eu nunca soube o motivo", disse.
Sobre o cabelo de Fernando, Myrthes negou ter feito a comparação. Mas afirmou que havia pedido ao homem que prendesse pois havia recebido reclamação de outros funcionários.
"Eu nunca fiz nenhuma relação preconceituosa em relação ao cabelo dele. Pedi algumas vezes que o prendesse pois ele trabalhava próximo a um buffet e os demais funcionários estavam reclamando da possibilidade de cair sobre os alimentos", explicou. 
"A padronização na apresentação é uma coisa comum no ramo hoteleiro. As solicitações que fiz a ele eram estendidas a todos os outros funcionários", completou.
A síndica explicou que assim que soube das acusações abriu um boletim de ocorrência contra o homem. O registro foi feito de calúnia e difamação. No documento, feito nesta segunda-feira (22), a defesa afirma que Myrthes "é conhecida no ramo hoteleiro e não tem problemas no trato com os demais funcionários que permanecem no condomínio há 20 anos e inclusive alguns já saíram e retornaram solicitando a readmissão".
Segundo Lovete Menezes Crudo, advogada de Myrthes, a cliente "desconhece o motivo que levaria o Sr. Fernando a fazer tais afirmações que não condizem com a realidade", afirmou.
A jurista acrescentou que as falas do ex-funcionário "ofendem de forma ampla a honra objetiva da Sra. Myrthes, caracterizando o crime de difamação e, por vezes imputando a ela o crime de injúria racial, caracterizando a calúnia", disse.
A defesa ainda informou que acionará Fernando na Justiça. " Tamanha repercussão destas afirmações pelas mídias sociais causaram danos a sua reputação em seu ramo profissional e por não retratarem a realidade, ofereceremos a queixa crime, medida utilizada para levar a juízo os crimes contra a honra", concluiu. 
 
Rede de hotéis lamentou incidente
Por meio de nota, a rede de hotéis Quality Suítes Alphaville afirmou que tem "compromisso com a apuração do ocorrido".
Segue a nota na íntegra.
"O Quality Suítes Alphaville reitera seu compromisso em oferecer um ambiente que valoriza a diversidade étnica e cultural, proporcionando um ambiente seguro, confortável e inclusivo com o reconhecimento e a valorização de todas as pessoas, repudiando veemente qualquer ato que contrarie esse valor.
Em relação aos fatos narrados, o complexo multiuso em que o Quality Suítes Alphaville está inserido abriu sindicância, e está comprometido em colaborar com a investigação.
O Quality Suítes Alphaville expressa solidariedade e reafirma seu compromisso em apoiar a apuração do ocorrido na medida das suas possibilidades, sem prejuízo de se manter à disposição para prestar os esclarecimentos que porventura se façam necessários em relação ao tema."

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