Publicado 05/11/2024 21:07
São Paulo - O jurista Miguel Reale Júnior fez duras críticas ontem ao que chamou de "sequestro" do Orçamento do País pelo Legislativo por meio das emendas parlamentares. Para o ex-ministro da Justiça, o Brasil vive um momento de "podridão", em que o interesse público deu lugar ao interesse particular de deputados e senadores.
Publicidade"O Legislativo pôs a mão no Orçamento. Se já é difícil para o Executivo cumprir seu papel com as despesas obrigatórias, com esse sequestro de receita por parte do Legislativo, o Executivo fica com as mãos atadas", disse o jurista no encerramento do 9.º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, promovido pelo Estadão e pelo Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). "Estamos vivendo uma podridão, vendo o dinheiro indo para o ralo, vendo ações que priorizam atendimento pessoal de parlamentares. Acabou o interesse público, este é o quadro."
Professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, Reale Júnior citou os diferentes tipos de emendas criados nos últimos anos, como as de relator, consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as emendas de comissão e de bancada e as chamadas "emendas Pix", agora suspensas. "O Executivo está contra a parede, e o Legislativo tomou conta. Reproduz-se aqui o que aconteceu na República Velha, um acordo entre elites para dar sustentação ao governo. Aqui, é o Legislativo que prevalece e faz com que o Executivo se submeta "
O jurista avaliou ainda que o Orçamento deixou de representar um instrumento de ação do Executivo. "Para um deputado, interessa dar dinheiro a determinado reduto eleitoral para cavar votos para a reeleição. O Orçamento deixou de ser instrumento de ação política e administrativa do Executivo para ser dividido com o Legislativo, que passa a pôr a mão no Orçamento e destinar verbas para obras e eventos efêmeros, mas desconectados de um planejamento administrativo." Ele lembrou que 91% dos prefeitos que receberam emendas foram reeleitos.
Desinteresse
Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e atual secretário municipal de Mudanças Climáticas, José Renato Nalini afirmou, também durante o seminário, que a corrupção é um problema que vai além das cifras desviadas e das práticas ilícitas. Para ele, trata-se de uma "chaga que atormenta o mundo". Nalini disse que as práticas corruptivas no sistema público são a principal causa do "desinteresse" pela política por parte da população.
"Fico espantado que nas eleições municipais tivemos uma abstenção maior do que a que tivemos na pandemia. É injustificável que a pessoa não queira saber qual será o destino da sua cidade. Ela tem obrigação de participar da vida urbana. Falta essa virtude do devotamento à causa pública", declarou o ex-presidente do TJ.
O Seminário Caminhos Contra a Corrupção se consolidou como importante espaço de debate sobre transparência, integridade, compliance, ESG e o universo anticorrupção. Quase 80 mil pessoas acompanharam as duas últimas edições do evento, em 2022 e 2023.
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