Elza Soares em entrevista à jornalista Renata Castanho em 1979 (Luiz Felipe Rodrigues- RC24h)Reprodução/ Instagram
Publicado 21/01/2022 14:35 | Atualizado 21/01/2022 16:31
Assim como disse nos versos da canção “A Mulher do Fim do Mundo” (2015), Elza Soares (1930 – 2022) deixou na avenida a pele preta e a voz. A fala e a opinião. Uma mulher forte e determinada na vida pessoal e na obra que construiu em quase 70 anos de carreira mostrava também seu lado generoso e carinho quando abria as portas para entrevistas.

Em 1979, a jornalista Renata Castanho esteve na casa de Elza em Copacabana para entrevistar a cantora. Nas redes sociais, Renata escreve que teve “o privilégio de entrevistar essa cantora e mulher mais incrível ainda, com uma das histórias de superação mais incríveis que conheci”.

Na época, Renata atuava no jornal Setedias, que circulava em Niterói e no Rio. Elza contou histórias, por exemplo, dos tempos em que ia com a mãe entregar a roupa que lavavam na casa dos patrões na hora do almoço e jamais foram convidados a almoçar mesmo com a fome aparente em seus rostos e que ia pra escola com um pé de sapato a cada dia e o outro pé com o dedo enfaixado, fingindo que estava machucado, para não gastar.

Sobreviveu lindamente a todas as adversidades e nos deu muitas alegrias”, arrematou a jornalista em homenagem publicada no Instagram.
Elza Soares no documentário
Elza Soares no documentário "My Name Is Now, Elza Soares" Divulgação
Anos mais tarde, em 2005, Elza deu a mesma recepção e abertura para um estudante de Jornalismo que estava com nervos à flor da pele para fazer sua primeira entrevista em formato televisivo. Já depois de ganhar a alcunha de “voz do Milênio”, Elza conversou por cerca de 15 minutos com Ivan Lemos.

“Era um trabalho de faculdade, mesmo assim ela me tratou como um profissional. Percebeu que eu estava nervoso e com toda elegância me ofereceu um gole de uísque. Ela mesma disse que tomava quando estava nervosa. Dei um gole e ela tomou junto comigo”, contou o jornalista ao Portal O Dia.

Na ocasião, Elza estava com uma equipe de sete pessoas da BBC de Londres esperando para fazer um documentário com ela.

“Ela viu que eu teria que esperar muito – e que estava nervoso – e pediu para que eu passasse a frente. E assim foi. Foram 15 minutos de entrevista de uma generosidade gigante. Ela poderia me responder de qualquer maneira, pra um estudante de jornalismo, mas respondia como se estivesse dando uma entrevista pra um programa de televisão”, relatou Ivan.

A entrevista foi decisiva para a carreira do jovem, que fez perguntas como o fato de, naquele momento, ela ser mais prestigiada fora do Brasil do que aqui e sobre o início da carreira, a primeira participação no programa de calouros.

Mas foi na terceira, sobre quando ela foi eleita a Voz do Milênio, que Ivan sentiu na veia o que era a profissão que ela havia escolhido: “ela se emocionou e me senti jornalista”.

A gravação foi o passaporte para que o estudante de 1º período de Jornalismo conseguisse uma vaga de estágio na Inter TV. Infelizmente, não há mais fotos, nem o vídeo. O DVD se perdeu e a fita, ele não tem mais. “Fica na memória”, lamentou o jornalista.
Elza Soares desfilando na Sapucaí como samba enredo da Mocidade no Carnaval do Rio em 2020 Reprodução/Instagram @elzasoaresoficial
Elza na sétima arte
Taís Araújo e André Gonçalves caracterizados como Elza Soares e Garrincha para filme dirigido por Milton Alencar JrDivulgação
Além de entrevistas, Elza também ganhou as telonas pelas mãos de um profissional da Região dos Lagos. “Garrincha – Estrela Solitária”, lançado em 2005, conta a história do ex-marido de Elza, o “anjo das pernas tortas”. Com Taís Araújo vivendo Elza, o longa teve direção do ex-secretário de Cultura de Cabo Frio, Milton Alencar Jr.

O diretor publicou um making of do filme, baseado na biografia “Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha”, do jornalista e escritor brasileiro Ruy Castro.

A sinopse traz que as histórias que Elza Soares, Iraci, Sandro Moreyra e Nilton Santos viveram com Garrincha compõem uma visão multilateral de sua personalidade e de seu destino de glórias e tragédias.

“Tive vários encontros com Elza. Encontros maravilhosos. Foi extremamente proveitoso, rico e uma honra tê-la conhecido”, disse Milton Alencar Jr. ao Portal O Dia.
Making of do filme “Garrincha – Estrela Solitária”
Morre uma lenda
A cantora morreu nesta quinta-feira (20), aos 91 anos. Ao longo de sua carreira, iniciada nos anos 50, Elza gravou 34 álbuns de estúdio.

O último registro dela, de acordo com o produtor musical Mestre Dalua, foi um DVD gravado no Teatro Municipal do Rio dois dias antes da morte de Elza, entre segunda (17) e terça-feira (18)

Em uma trajetória de altos e baixos, assim como pediu na música, Elza cantou até o fim.
Leia mais