Assim, naquele fim de tarde, eu me lembrei novamente do meu avô e de sua cadeira na porta de casa. Pensei em quantas cenas ele capturou e quantas histórias conheceu ou imaginou só de ver as pessoas passando na ruaArte: Kiko
Publicado 10/03/2024 09:00
Outro dia, andando pela Zona Norte do Rio, uma cadeira na calçada me chamou a atenção. Na verdade, parecia uma pequena poltrona, já que o assento e o encosto tinham um estofado floral com um fundo bege. Não sei dizer qual o material dos pés, mas a cor era um cinza metálico. Assim que a vi, eu me lembrei do meu avô materno e de como ele ficava na frente de casa, na Baixada, como a sua cadeirinha. Ele tinha as pernas cruzadas e o olhar atento. Devia "olhar as modas", como se dizia antigamente.
Depois, até pensei que talvez a tal poltrona só estivesse naquele portão esperando que os garis a levassem. Mas o fato é que ela me fez lembrar do meu avô. E todas essas memórias voltaram aos meus pensamentos a quilômetros dali, em uma tarde de andanças no Centro do Rio. Sem querer, esbarrei com o espaço cultural do músico Marcelo D2, em parceria com Luiza Machado, na Rua Sete de Setembro. Ao lado da fachada do local, uma cadeira de engraxate na calçada era o sinal de tempos que sempre voltam no coração dos saudosos.
Resolvi entrar. Não havia nenhuma recepção protocolar, típica de outros locais. Os visitantes apenas chegavam no melhor estilo: "Ô, de casa!". E assim fiz. A reprodução da cozinha de Clementina de Jesus, com chão de terra e itens de barro, chamava a atenção. Assim como os vasos com a Espada de São Jorge, logo na entrada, me lembraram das plantas de tantos quintais onde a natureza é uma forma de energia. A Comigo-Ninguém-Pode também guarda esse misticismo.
Em algum momento, as enormes caixas de som do primeiro andar ecoaram a voz de Xande de Pilares: "Basta acreditar, que um novo dia vai raiar/A sua hora vai chegar". Atraída pelas escadas, cheguei ao terceiro piso, onde uma exposição de fotos de Wilmore Oliveira (Youknowmyface) retrata o subúrbio.
Gostei tanto do que vi que voltei ali poucas horas depois, acompanhada do meu namorado. Desta vez, enquanto ele observava a exposição, fiquei alguns instantes sentada em um banco de frente para um janelão no último andar.
De lá, avistei a Sete de Setembro do alto. Já se aproximava das 18h e fiquei ali, reparando no vaivém de pessoas. Deduzi que muitas deixavam o trabalho de volta para casa. Algumas passavam com o telefone em mãos, na altura da boca, provavelmente gravando algum áudio. Várias se cruzaram assim pelo caminho: enviando mensagens para outras pessoas, distantes dali. Com passos apertados.
De tempos em tempos, o VLT surgia nos trilhos. E, quando ele sumia na paisagem, as pessoas voltavam a ficar em evidência: havia quem estivesse a pé, de bicicleta, de terno, calça jeans ou vestido... Também vi um rapaz cantarolando com seus fones de ouvido e um senhor uniformizado desatando o nó da gravata.
Assim, naquele fim de tarde, eu me lembrei novamente do meu avô e de sua cadeira na porta de casa. Pensei em quantas cenas ele capturou e quantas histórias conheceu ou imaginou só de ver as pessoas passando na rua. E me dei conta de que olhar as modas é um exercício bonito demais. Nem sempre fácil, já que requer tempo, paciência e observação. Mas inspirador.

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