Publicado 30/06/2024 09:00
Certa vez, quando nem sonhava ainda em ser cronista, mostrei um texto meu para alguém. De volta, ouvi o comentário de que aquela escrita era bem triste. Sim, de fato era. Mas dei àquela opinião o direito de me censurar. Como se eu só pudesse trazer a público palavras de alegria. Uns bons anos depois, já escrevendo neste espaço aqui aos domingos, uma amiga mostrou a um conhecido uma crônica minha, e ele comentou que era bem melancólica. Sim, de fato era.
PublicidadeDesta vez, no entanto, fiquei feliz com o comentário. Eu me senti satisfeita com a percepção do outro sobre o sentimento que revelava naquele texto. Havia escrito sobre a morte do Bryan, nosso pastor canadense, com a dor e a saudade que isso representou para a nossa família. Cuidar dele foi uma herança que a minha mãe nos deixou, e vê-lo ir embora era reviver o luto da partida dela. Chorei tanto que passei um dia inteiro quase sem secar as lágrimas.
Ele partiu em uma segunda-feira e, na quarta, eu tinha uma entrevista marcada com o poeta Fabrício Carpinejar. Fui trabalhar ainda triste, mas também eufórica pela chance de estar pela primeira vez com alguém que tanto admiro. Sim, as emoções se misturam e nos confundem. Se o compromisso profissional estivesse marcado para terça-feira, certamente eu chegaria lá com os olhos inchados de tanto chorar. Pelo menos deu tempo de controlar um pouco as lágrimas que correm dos olhos. Mas aquelas internas, que parecem jorrar por uma eternidade, ainda não tinham sido estancadas.
Mesmo na tristeza, a vida se revelou bela para mim. Contei a Carpinejar sobre o Bryan e a ligação da sua partida com a minha mãe. De volta, recebi do poeta um abraço carinhoso e as seguintes palavras: "A história do cachorro é linda. Você me emprestou seus olhos. Eu estava com você em toda a cena". Da vergonha de ser triste, eu passei a compartilhar minhas lágrimas.
Tudo isso me veio à memória um dia após ter assistido ao filme 'Divertida Mente 2'. Estava na expectativa por ver a Ansiedade, como contei no último domingo, mas saí do cinema reforçando a importância da Tristeza, especialmente quando ela e a Alegria se dão as mãos.
Aliás, uma das maiores conquistas que tive na terapia foi aceitar a tristeza. Não significa entregar os pontos. Mas ter a coragem de encarar um caminho triste, em um primeiro momento, de olho em novos rumos. É impressionante pensar que já falei abertamente que preferia estar no lugar de sempre, com tristeza, a ter que encarar outro percurso. Hoje sei que a ruptura causa dor, mas é preciso enfrentá-la.
Também me lembrei de que houve um dia que já era noite, quando eu me aborreci com um acontecimento. Algumas lágrimas caíram. Chorei pouco, mas o suficiente para reconhecer a minha emoção naquele momento. E assim fomos dormir juntas — eu e a minha tristeza —, sabendo que por alguns dias ainda precisaríamos dar colo uma para outra.
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