"Se eu fosse um gênio da lâmpada e eu pudesse realizar um desejo seu neste momento, qual seria?", questionou Fátima Bernardes para Rayssa LealArte: Kiko
Publicado 04/08/2024 00:00 | Atualizado 04/08/2024 11:09
Enquanto preparava a minha mesa para iniciar mais um dia de trabalho em casa, eu ouvia o som que vinha da televisão no quarto do meu pai. Dava para escutar as vozes que traziam as notícias sobre a Olimpíada de Paris. Segui cuidando de alguns detalhes, fazendo o cafezinho que gosto de tomar antes da reunião de pauta e desembrulhando o novo mouse pad com uma almofadinha para o punho. Ao mesmo tempo, já refletia mentalmente para escrever esta crônica.
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Os meus pensamentos ainda estavam no vídeo que havia assistido no Instagram, em que a jornalista Fátima Bernardes entrevistava a skatista Rayssa Leal, bronze em Paris. "Se eu fosse um gênio da lâmpada e eu pudesse realizar um desejo seu neste momento, qual seria?", questionou Fátima. Ao seu lado, Rayssa não demorou a responder e disse que desejaria voltar no tempo para treinar mais algumas manobras específicas.
Foi incrível que ela não tenha pedido a medalha de ouro de mão beijada, como nomeamos as coisas que nos vêm facilmente. Ela simplesmente queria ter se preparado ainda melhor do que havia feito para os Jogos. Fátima até questionou: "Mas você não treinou muito?" Rayssa disse que sim, mas explicou que, como havia chovido, o cronograma ficou comprometido. Havia ali um incômodo e uma cobrança interna que a levam além. É mágica essa forma de ver a vida, com a consciência de que devemos dar um passo de cada vez para construir um percurso inteiro. Aliás, a jornada de Rayssa já tem lindos e merecidos passos, dignos de ouro.
Isso também me fez lembrar de uma vez em que conversei com a bailarina Irene Orazem, na época com 80 anos, na escadaria do Theatro Municipal. Em um bate-papo, ela comparou a dedicação ao balé à vida de um esportista. Afinal, o ensaio é também o treino para um grande dia. Inclusive, dos meus tempos de repórter esportiva, guardo bem os momentos em que acompanhava o vôlei à beira da quadra. De tanto assistir a treinos e partidas, percebi que a repetição de cada movimento (quase) leva à perfeição.
Em busca do sonho, a preparação é solitária e, ao mesmo tempo, compartilhada. Há também a geração que prepara a seguinte, ciente de que uma herança se transforma em eternidade. Foi o que mostraram as meninas da ginástica artística com o bronze por equipes em Paris. Naquele pódio, cabem os treinos de cada uma delas, a persistência de Jade Barbosa — uma veterana com 33 anos e uma infinidade de movimentos ensaiados à exaustão — e ainda a trajetória de grandes ginastas que vieram antes delas, como Luisa Parente, Lais Souza, Daiane do Santos e Daniele Hypolito.
Essas meninas trazem a exata ideia de que a preparação é uma etapa necessária para grandes conquistas. Assim, a Olimpíada nos mostra como o esporte é um retrato de muitas jornadas, com lágrimas e sorrisos em um mesmo espaço. "Cai, levanta; cai, levanta": essa foi a lição para a vida inteira que Mayra Aguiar aprendeu com o judô.
E, por falar em queda, Rayssa nos ensinou que não devemos torcer para uma rival cair, mas para todas as competidoras irem bem. Foi o que pensei quando me emocionei com a prata de Rebeca Andrade no individual geral da ginástica e também vibrei com o ouro da americana Simone Biles em uma volta por cima após cuidar da sua saúde mental. Os atletas flertam com o status de super-humanos, mas também são gente como a gente.
Assim, cada modalidade nos traz momentos imponderáveis, para o bem e para o mal. Guilherme Pereira da Costa, o Cachorrão, saiu da piscina chorando por não ter conquistado a medalha nos 400m livre em Paris. Mas quem ousa dizer que um nadador que marca o melhor tempo da sua carreira em uma final olímpica não treinou o suficiente? Infelizmente, a vida nos reserva momentos assim, de sonhos que não conseguimos realizar. Talvez, isso explique por que o esporte mexe tanto com a gente. Afinal, ele é um paralelo gigante das vitórias e derrotas que vivemos.
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