De lá para cá, me descobri indo à praia sozinha, saindo sozinha para passear no Centro do Rio, tomando decisões sozinha. Sem me achar triste por issoArte: Paulo Márcio
Publicado 11/08/2024 09:00
Eu havia levado o livro 'A gente mira no amor e acerta na solidão' para emprestar ao meu namorado. Mas, naquele domingo pela manhã, enquanto ele curtia uns momentos de preguiça e livre despertar, peguei a obra e comecei uma releitura, dois anos após o meu primeiro contato com aquela escrita da psicanalista Ana Suy. Meus olhos percorriam atentamente suas palavras, que na primeira vez não me pareceram tão próximas quanto agora. Apesar de a autora adotar uma linguagem muito acessível, nunca estudei psicanálise. Nos estudos sobre o afeto, posso dizer que sou "apenas" uma curiosa praticante.
Publicidade
Rapidamente cheguei à página 65 do livro e fui me dando conta de que aquela cena que eu vivia na sala de estar representava duas solidões sendo respeitadas. Quando o amor surge em um par, em uma amizade ou em família, nos iludimos com a tese de que vamos querer fazer tudo juntos o tempo todo. Conviver é laço, mas também afastamento, de algum modo. Como é inatingível a ideia de que vamos ter os mesmos desejos em momentos iguais.
Isso me faz lembrar da sugestão lançada na terapia após o término de um relacionamento de mais de 10 anos. Eu havia contado que, desde mais nova, eu emendava uma relação na outra, na tentativa de encontrar no namorado seguinte aquilo que eu não via no anterior. "Que tal agora você se encantar por você mesma?": essa foi a pergunta que, a princípio, me deixou bem desanimada. Parecia algo muito distante ser feliz sem um par.
Alguns anos antes, também havia assistido a um vídeo do psicólogo Rossandro Klinjey em que ele falava justamente sobre estar com nós mesmos em um fim de semana, por exemplo. "Se a sua companhia para você mesmo é tão ruim, como você acha que vai convencer alguém de que é interessante ficar com você?", ele indagou. E completou: "Estar com você tem que ser bom; estar acompanhado melhor ainda". Rossandro ainda disse que a gente não deve achar que ficar sozinho é um inferno e estar com o outro é o céu. Assim, ele perguntava, quando o outro sai, voltamos para onde?
Naquela época, concordei com a fala dele, mas também achei distante demais da minha realidade. "Falar é fácil, quero ver realizar": esse foi o meu pensamento em voz alta diante do vídeo de Rossandro. Sem me dar conta, no entanto, aceitei o desafio lançado na terapia. Para mim, o autoconhecimento tem esse poder: ele se perpetua silenciosamente por dias, meses e anos. De repente, como se fosse um milagre, eu me dou conta de estar refletindo sobre alguma postura ou mudando meu modo de agir.
De lá para cá, me descobri indo à praia sozinha, saindo sozinha para passear no Centro do Rio, tomando decisões sozinha. Sem me achar triste por isso. A gente tem a tendência de acreditar que a pessoa que está fisicamente a sós não tem amores. Hoje sei que isso é uma ilusão. Já me senti desamparada ao redor de muita gente e em paz na minha própria companhia.
Voltando ao início do texto, a própria Ana Suy, aliás, destaca como ficar em silêncio ao lado de alguém é tão precioso. Quando as vozes se aquietam, há o impulso de perguntar sobre o que o outro está pensando. Controlar esse ímpeto é entender que há um universo ali que nunca conhecerei por completo. Afinal, ainda desbravo o meu próprio mundo.
Leia mais