Escrevo este texto, aliás, com uma pergunta recente na minha mente. Uma pessoa quis saber como fiz para atravessar o difícil período de internação da minha mãe, em 2019Arte: Kiko
Publicado 24/11/2024 09:00
Deveria ser proibido ficar doente sem a presença física da mãe, mesmo em um resfriado ou gripe, como aconteceu comigo recentemente. A gente não deveria ter que dormir sem ouvir a voz mágica daquela que nos guiou pelo afeto a vida inteira. A minha mãe diria que vai ficar tudo bem e que amanhã "minha filha" vai estar bem melhor. Deveria ser proibido colocar a cabeça no travesseiro sem a crença passada de geração em geração de que um lenço embebido em álcool e envolto no pescoço ajuda a aliviar a dor de garganta ou tosse — uma busca rápida na internet diz que isso é mito e nem deve ser seguido. Então, por favor, não façam isso em casa. É "só" uma memória afetiva.
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Não deveria ser permitido dormir sem a convicção materna de que o meu corpo está reagindo ao vírus. Na ausência daquela voz reconfortante, costumo procurar no Google respostas para questões que faço diante da tela do computador, quase como uma confissão. "Será que alguém já pensou nisso também?", eu imagino, com vergonha. Mas, quando o resultado da busca surge, vem o alívio de que não sou a única. "Qual o melhor jeito de dormir para quem está com o nariz entupido?", indago ao Google, que abre uma série de orientações dizendo que o mais indicado é colocar a cabeça um pouco elevada. E não é que dá certo?
Assim, faço outras perguntas na Internet, algumas já conhecidas do meu histórico de pesquisas, sobre tosse e espirro. Ah, também recorro a minha irmã, que é mãe de dois meninos. Afinal, mãe sempre sabe das coisas. Não à toa, já me peguei mais de uma vez tentando me referir a ela numa conversa e, em vez de irmã, falei mãe. Talvez ela seja a minha referência mais próxima de cuidar de alguém.
Quando eu pego um resfriado, tenho ainda muitas outras dúvidas. Quando estarei melhor para praticar exercícios físicos? Quando a sensação de ouvido tampado vai passar? Adianta passar spray de própolis para aliviar a garganta? De fato, a gente não deveria ficar doente sem a mãe por perto. Nem deveriam permitir que a gente ficasse com o corpo mole sem a chance de passar o dia todo descansando. Afinal, o melhor remédio para um resfriado é a combinação de vitamina C e cama, dizem os mais velhos.
Deveria ser proibido não ter a chance de ouvir a mãe, logo pela manhã, perguntando: "Como a minha filha está hoje?" Agora entendo por que, quando nasce uma mãe, ela também dá à luz o medo de partir. Afinal, não há a proibição de que um filho adoeça sem ela por perto. E como suportar essa ideia? Realmente, há perguntas que o Google é incapaz de responder. E será para sempre assim. Inteligência Artificial não compreende mundos reais.
Escrevo este texto, aliás, com uma pergunta recente na minha mente. Uma pessoa quis saber como fiz para atravessar o difícil período de internação da minha mãe, em 2019. Não sei se consegui explicar precisamente, até porque acredito que essa travessia não se finda. A gente segue percorrendo a estrada da despedida com a eterna presença na memória. Talvez seja assim que eu drible as proibições que deveriam existir mas não existem. Imaginar é a minha forma de atravessar. Assim, penso que a minha mãe está me olhando com a certeza de que "a minha filha amanhã vai estar bem melhor". E isso vale para resfriados e muitas outras coisas na vida.
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