Publicado 01/12/2024 09:00
'Ele não sabe que é um Akita', admirou-se a veterinária responsável pelo ultrassom enquanto fazia o exame no Yushi, um cachorro tão grande no porte quanto na capacidade de conquistar corações. "Não acredito que estou fazendo uma ultra em um Akita e ele está calmo assim", completou. Dois dias depois, ele até ensaiou uns latidos para os técnicos de raio-x, mas foi elogiado pelo comportamento. O detalhe é que seu tutor estava sempre ao lado e Yushi confiava muito nele.
PublicidadeAlém disso, Yushi era doce. Depois de sermos apresentados em uma festa junina do ano passado, ele nunca mais me estranhou. Entendeu ali que eu era amiga da sua família e me aceitou de uma forma que eu jamais poderia imaginar. Havia dias pela manhã em que eu reparava nos seus olhos e tirava sua remela. E ele deixava. Também me esqueci de que Yushi era um cão com muita força e só fui me dar conta disso após ouvir a frase da médica. Foi aí que passei a reparar com mais atenção nas suas unhas enormes e nos seus dentes potentes.
Yushi tinha meios de se defender, mas não achava necessário exibi-los. Lindo, com cara de carente, ele rondava a mesa sempre que estávamos comendo. Assim, eu passei a ser a sua voz pela casa nos diálogos com o pai dele. "Ah, papai, eu também gosto de comida diferente e gostosa", eu dizia, imaginando o que ele falaria ao ser recriminado por não querer a ração. Quando vinha a observação de que ele estava precisando de um banho, eu também tentava desvendar seus pensamentos: "Ah, papai, aí eu não tenho culpa, né? Não posso fazer isso sozinho".
Não sei se Yushi gostava da minha voz melosa dublando seus possíveis pensamentos. Mas nunca reclamou, do jeito que ele teria para reclamar. Era tão educado, lindo e amoroso que eu dei a ele o mesmo título do Bryan, pastor canadense que deixou a nossa família há dois anos. Disse ao Yushi que ele poderia ser um lorde também, igual ao meu lorde Bryan. Nas duas vezes em que me despedi dele nos últimos dias, sem saber ao certo quando seria o adeus final, eu lhe disse que no céu dos cachorros havia muitos petiscos, brincadeiras, e que lá ele encontraria com o meu Bryan.
Na última terça-feira pela manhã, enquanto eu fazia a sessão de terapia on-line na minha casa, uma ligação telefônica apareceu no visor do meu celular. Fiquei preocupada e comentei com a psicóloga, que percebeu a minha inquietude. Interrompi a terapia e recebi a notícia da partida do Yushi, na sua casa, no lugar onde ele foi muito amado por toda a vida. A mesma casa que ficará absurdamente vazia sem ele, mesmo que nenhum móvel tenha sido tirado do lugar. Afinal, o Yushi era presença nos locais de passagem, na porta do banheiro, à beira da cama ou na sala. Ou com os pelos que se espalhavam pelos cômodos. Bebia tanta água que eu lhe perguntava: "Não quer beber a minha parte de água também?".
Talvez o Yushi soubesse que era um Akita. Mas tinha a sabedoria de não mostrar seu poder de defesa a todo instante. Sua doçura era sua melhor tática. Não é por acaso que nós podemos aprender muito com os animais. Na última terça-feira, após a notícia da sua partida, ainda levei algumas horas para chorar. Até que deixei as lágrimas transbordarem no início da tarde. Sei que o céu dos cachorros ficou em festa, com uma linda estrelinha brilhando lá no alto. Vai ter petisco, sim! Obrigada por tudo, meu amigo Yushi! Você foi muito amado por aqui!
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