Mas há também muita união na cantoria de Marisa. Está ali, nos versos de 'Amor I Love You', de Marisa e Carlinhos, uma lição valiosa: dizer 'te amo' "me acalma, me acolhe a alma"Arte Kiko com fotos de Leo Aversa/ Divulgação
Publicado 09/11/2025 07:00 | Atualizado 09/11/2025 07:42
Os meus olhos levemente marejados denunciavam a emoção de ouvir Marisa Monte pela terceira vez ao vivo. Quando ela começou a entoar 'Vilarejo' no show 'Phonica', em que apresenta clássicos da carreira ao lado da orquestra sob a batuta do maestro André Bachur, eu comecei a agradecer. Em pé na pista e a sós comigo mesma, embora estivesse no meio da multidão que lotava a Brava Arena Jockey naquele domingo à noite. Afinal, o que eu vinha pensando nos dias que antecederam o espetáculo se confirmava ali: Marisa Monte colocou muita poesia na minha vida! Desde a minha época de universitária, sem que eu me desse conta, ela me autorizava a ser quem sou, embora por algum tempo eu tenha me esquecido disso. Se eu sei cantar 'Rosa', de Pixinguinha, foi ela quem me ensinou a letra por meio do CD 'Mais', que comprei e ouvi à exaustão na época: "Tu és divina e graciosa/ Estátua majestosa/ Do amor, por Deus esculturada/ E formada com ardor/ Da alma, da mais linda flor, de mais ativo olor..."

Confesso que, de onde estava, mais distante do palco, praticamente não enxerguei Marisa. Ensaiei ficar algumas vezes na ponta do pé, mas passei a admirá-la pelo telão que revelava a sua interpretação cheia de gestos marcantes. Também me aproximei dela pelas músicas que jamais saíram do meu coração. Inclusive, desta vez não tive como ouvir 'Vilarejo' — canção dela, com Pedro Baby, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown — sem me lembrar da dura semana que passamos no Rio de Janeiro, cercados por ainda mais incerteza e angústia. Coletivamente, eu sonho com aquele cenário da música, "onde areja um vento bom": "Portas e janelas ficam sempre abertas/ Pra sorte entrar/ Em todas as mesas, pão..." Marisa também desejou que a arte daquela noite nos enchesse de esperança para dias melhores.
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Assim, ela sempre foi, para mim, a poesia permitida e o afeto legitimado. Inclusive, pouco antes do show, fiquei admirando uma fã da cantora que tinha uma tiara de flores no cabelo, inspirada no adorno que a artista usa no espetáculo. Marisa é mesmo assim: floreia o seu figurino e nos permite ser assim em um mundo de tantos espinhos. "Amor, palavra que liberta, já diria o profeta", canta ela na música 'Gentileza', de sua autoria.

Seu repertório também tem grande participação em um grande aprendizado da minha vida: é possível bailar e cantar com as nossas tristezas. Entoar a dor não é prolongá-la, mas faz parte de um ritual para me despedir dela. Uma lição lindamente versada em 'O Que Você Quer Saber de Verdade', de Marisa, Carlinhos e Arnaldo: "Faça sua dor dançar/ Atenção para escutar/ Esse movimento que traz paz...". Assim, quando Marisa interpreta intensamente os encontros e desencontros do amor, eu me reconheço em seus versos. Com ela, posso cantar 'Depois' — de autoria do mesmo trio — e aceitar que ciclos terminam e que, um dia, poderemos agradecer pelas memórias criadas com os nossos amores: "Nós dois/ já tivemos momentos/ Mas passou nosso tempo/ Não podemos negar/ Foi bom, nós fizemos história/ Pra ficar na memória/ E nos acompanhar".

Mas há também muita união na cantoria de Marisa. Está ali, nos versos de 'Amor I Love You', de Marisa e Carlinhos, uma lição valiosa: dizer 'te amo' "me acalma, me acolhe a alma". Com ela, percebi ainda que não sou estranha no mundo dos sentimentos: "Hoje contei pras paredes/ Coisas do meu coração". Já fiz isso incontáveis vezes, me confidenciando comigo mesma. No meu 'Infinito Particular', mais um sucesso dos 'Tribalistas', "sou pequenina e também gigante" e constato que não sou difícil de ler. Com Marisa, eu me reconheço. Afinal, "eu sou daqui, eu não sou de Marte".
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