Sou portelense. E fui feito portelense pelo meu tio e pela minha avó paterna em 1994. Eu tinha oito anos.
Saímos de Petrópolis em um ônibus de excursão. Lotado, as pessoas vibravam com os sambas.
A Mangueira vinha com o clássico “atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”. A Imperatriz, que se sagrou campeã, desfilou versando sobre Catarina de Médicis na corte dos tupinambôs e tabajeres.
Ao pisarmos em Madureira, um segurança da escola nos avisou que era para fazermos uma fila. Minha avó Yolanda, de mão dada comigo, arriscava alguns passos tímidos enquanto esperávamos.
Com o cabelinho repartido, olhava aquela movimentação com atenção de navegante.
Quando percebi, estava vestindo uma regata com a águia. Uma bandeirinha da Portela, dessa época, serve como protetora do meu quarto na casa de minha mãe.
Da casa dos meus pais ao estádio das Laranjeiras eram 15 minutos a pé. Um ritual de domingo era eu e meu pai irmos ver o Fluminense no caldeirão. Lembro quando o Renato Gaúcho estreou. Lembro do Ézio, meu ídolo eterno. Se o jogo estava ruim, ficávamos perto da grade. Deu certo poucas vezes, mas valeu muito quando deu.
Lembro da segundona e da terceira no Maracanã. Cadê o Branco?, perguntava pro meu pai.
Não sou da Zona Norte. Não sou da Zona Oeste. Não sou nem da Zona Sul. Nasci na Serra Fluminense e cresci entre frestas, nos mais diferentes cantos dessa cidade cheia de fissuras.
Meus melhores amigos de escola moravam no Cachambi, na Glória, em Laranjeiras, em Ramos e em Copacabana. Meus primos são ti-ju-ca-nos.
Estudei em Botafogo, no Catete e na Gávea. Com ricos, com filhos de pais que equilibravam milagrosamente boletos (tio Júlio, você é gênio!) e pobres – muito pobres comparando aos ricos que sentavam na carteira ao lado.
“Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação (...) Quero ver a Mangueira / Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai”, escreveu Chico Buarque em Estação Derradeira.
Muito do que aprendi foi no Aterro do Flamengo, às 21:00, jogando bola com quem aparecesse. As resenhas do intervalo eram de quem deslizava nas ladeiras para fazer dali seu Maracanã. Levei chamadas homéricas. “Quem não toca, não recebe”.
O vendedor de cerveja, às vezes, atuava como goleiro, sentado em um banquinho da Casa & Vídeo. Era também técnico do naipe do Felipão.
Um parceiro de pelada me levou para o Teatro Rival, no show do Arlindo Cruz. Eu, que sambando sou igual ao Neil Armstrong pisando na Lua, lembro dos acordes iniciais de “Ainda é tempo de ser feliz”.
“Me cansei de ficar mudo, sem tentar / Sem falar / Mas não posso deixar tudo como está / Como está você?”, compôs Arlindo, junto de Sombra e Sombrinha.
Pouco tempo depois estava inscrito em aula de dança. Foi complicado para as professoras. Jaime Arôxa chegou a me repetir. “Treina com uma cadeira, meu filho”, uma senhora me indicou.
Cruzei a cidade atrás de sambas. Voltei a Madureira inúmeras vezes. É o lugar que me une a minha avó, paulistana do centro de São Paulo.
O olhar para o samba continuava e continua o mesmo dos oito anos. O cabelinho que tem recebido novas formas – e perdido vários fios.
“A idade é braba. Nada de bola na corrida”, avisava Gaguinho, um dos craques do Aterro.
Por falar em futebol, estava estudando no estrangeiro, como diria meu avô mineiro, craque da sinuca e um tipo de Ruy Chapéu de Petrópolis. Assistia sozinho no refeitório um jogo entre LA Galaxy e mais um qualquer time daqueles.
“Você está torcendo por quem?”, perguntou Frederico, italiano da Sardenha.
Pro Fluminense. E pra Portela.
*
Em 2010, fui ao Maracanã ver Fluminense e Guarani. Era a primeira vez que pisava no Maraca sem meu pai, falecido quatro anos antes.
Em 2017, a Portela foi campeã, 20 anos depois da morte da minha avó.
*
O Rio é nosso. E todos temos uma sequência de histórias incríveis nessa cidade. Ela, com todos os seus defeitos, nos permite sonhar.
Saímos de Petrópolis em um ônibus de excursão. Lotado, as pessoas vibravam com os sambas.
A Mangueira vinha com o clássico “atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”. A Imperatriz, que se sagrou campeã, desfilou versando sobre Catarina de Médicis na corte dos tupinambôs e tabajeres.
Ao pisarmos em Madureira, um segurança da escola nos avisou que era para fazermos uma fila. Minha avó Yolanda, de mão dada comigo, arriscava alguns passos tímidos enquanto esperávamos.
Com o cabelinho repartido, olhava aquela movimentação com atenção de navegante.
Quando percebi, estava vestindo uma regata com a águia. Uma bandeirinha da Portela, dessa época, serve como protetora do meu quarto na casa de minha mãe.
Da casa dos meus pais ao estádio das Laranjeiras eram 15 minutos a pé. Um ritual de domingo era eu e meu pai irmos ver o Fluminense no caldeirão. Lembro quando o Renato Gaúcho estreou. Lembro do Ézio, meu ídolo eterno. Se o jogo estava ruim, ficávamos perto da grade. Deu certo poucas vezes, mas valeu muito quando deu.
Lembro da segundona e da terceira no Maracanã. Cadê o Branco?, perguntava pro meu pai.
Não sou da Zona Norte. Não sou da Zona Oeste. Não sou nem da Zona Sul. Nasci na Serra Fluminense e cresci entre frestas, nos mais diferentes cantos dessa cidade cheia de fissuras.
Meus melhores amigos de escola moravam no Cachambi, na Glória, em Laranjeiras, em Ramos e em Copacabana. Meus primos são ti-ju-ca-nos.
Estudei em Botafogo, no Catete e na Gávea. Com ricos, com filhos de pais que equilibravam milagrosamente boletos (tio Júlio, você é gênio!) e pobres – muito pobres comparando aos ricos que sentavam na carteira ao lado.
“Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação (...) Quero ver a Mangueira / Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai”, escreveu Chico Buarque em Estação Derradeira.
Muito do que aprendi foi no Aterro do Flamengo, às 21:00, jogando bola com quem aparecesse. As resenhas do intervalo eram de quem deslizava nas ladeiras para fazer dali seu Maracanã. Levei chamadas homéricas. “Quem não toca, não recebe”.
O vendedor de cerveja, às vezes, atuava como goleiro, sentado em um banquinho da Casa & Vídeo. Era também técnico do naipe do Felipão.
Um parceiro de pelada me levou para o Teatro Rival, no show do Arlindo Cruz. Eu, que sambando sou igual ao Neil Armstrong pisando na Lua, lembro dos acordes iniciais de “Ainda é tempo de ser feliz”.
“Me cansei de ficar mudo, sem tentar / Sem falar / Mas não posso deixar tudo como está / Como está você?”, compôs Arlindo, junto de Sombra e Sombrinha.
Pouco tempo depois estava inscrito em aula de dança. Foi complicado para as professoras. Jaime Arôxa chegou a me repetir. “Treina com uma cadeira, meu filho”, uma senhora me indicou.
Cruzei a cidade atrás de sambas. Voltei a Madureira inúmeras vezes. É o lugar que me une a minha avó, paulistana do centro de São Paulo.
O olhar para o samba continuava e continua o mesmo dos oito anos. O cabelinho que tem recebido novas formas – e perdido vários fios.
“A idade é braba. Nada de bola na corrida”, avisava Gaguinho, um dos craques do Aterro.
Por falar em futebol, estava estudando no estrangeiro, como diria meu avô mineiro, craque da sinuca e um tipo de Ruy Chapéu de Petrópolis. Assistia sozinho no refeitório um jogo entre LA Galaxy e mais um qualquer time daqueles.
“Você está torcendo por quem?”, perguntou Frederico, italiano da Sardenha.
Pro Fluminense. E pra Portela.
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Em 2010, fui ao Maracanã ver Fluminense e Guarani. Era a primeira vez que pisava no Maraca sem meu pai, falecido quatro anos antes.
Em 2017, a Portela foi campeã, 20 anos depois da morte da minha avó.
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O Rio é nosso. E todos temos uma sequência de histórias incríveis nessa cidade. Ela, com todos os seus defeitos, nos permite sonhar.
É duro muitas das vezes, claro que sei e vivo em certa maneira, mas ainda assim ela nos permite sonhar. Nem que seja por rápidos segundos.
Isso é raro, acredite.
O Rio nos permite sonhar e dançar. Nem que seja como o Armstrong na Lua.
O Rio nos permite sonhar e dançar. Nem que seja como o Armstrong na Lua.
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