Central do Brasil Fotos de Ricardo Cassiano
Por Thiago Gomide
Sou portelense. E fui feito portelense pelo meu tio e pela minha avó paterna em 1994. Eu tinha oito anos.

Saímos de Petrópolis em um ônibus de excursão. Lotado, as pessoas vibravam com os sambas.

A Mangueira vinha com o clássico “atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”. A Imperatriz, que se sagrou campeã, desfilou versando sobre Catarina de Médicis na corte dos tupinambôs e tabajeres.

Ao pisarmos em Madureira, um segurança da escola nos avisou que era para fazermos uma fila. Minha avó Yolanda, de mão dada comigo, arriscava alguns passos tímidos enquanto esperávamos.

Com o cabelinho repartido, olhava aquela movimentação com atenção de navegante.

Quando percebi, estava vestindo uma regata com a águia. Uma bandeirinha da Portela, dessa época, serve como protetora do meu quarto na casa de minha mãe.

Da casa dos meus pais ao estádio das Laranjeiras eram 15 minutos a pé. Um ritual de domingo era eu e meu pai irmos ver o Fluminense no caldeirão. Lembro quando o Renato Gaúcho estreou. Lembro do Ézio, meu ídolo eterno. Se o jogo estava ruim, ficávamos perto da grade. Deu certo poucas vezes, mas valeu muito quando deu.

Lembro da segundona e da terceira no Maracanã. Cadê o Branco?, perguntava pro meu pai.

Não sou da Zona Norte. Não sou da Zona Oeste. Não sou nem da Zona Sul. Nasci na Serra Fluminense e cresci entre frestas, nos mais diferentes cantos dessa cidade cheia de fissuras.

Meus melhores amigos de escola moravam no Cachambi, na Glória, em Laranjeiras, em Ramos e em Copacabana. Meus primos são ti-ju-ca-nos.

Estudei em Botafogo, no Catete e na Gávea. Com ricos, com filhos de pais que equilibravam milagrosamente boletos (tio Júlio, você é gênio!) e pobres – muito pobres comparando aos ricos que sentavam na carteira ao lado.

“Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação (...) Quero ver a Mangueira / Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai”, escreveu Chico Buarque em Estação Derradeira.

Muito do que aprendi foi no Aterro do Flamengo, às 21:00, jogando bola com quem aparecesse. As resenhas do intervalo eram de quem deslizava nas ladeiras para fazer dali seu Maracanã. Levei chamadas homéricas. “Quem não toca, não recebe”.

O vendedor de cerveja, às vezes, atuava como goleiro, sentado em um banquinho da Casa & Vídeo. Era também técnico do naipe do Felipão.

Um parceiro de pelada me levou para o Teatro Rival, no show do Arlindo Cruz. Eu, que sambando sou igual ao Neil Armstrong pisando na Lua, lembro dos acordes iniciais de “Ainda é tempo de ser feliz”.

“Me cansei de ficar mudo, sem tentar / Sem falar / Mas não posso deixar tudo como está / Como está você?”, compôs Arlindo, junto de Sombra e Sombrinha.

Pouco tempo depois estava inscrito em aula de dança. Foi complicado para as professoras. Jaime Arôxa chegou a me repetir. “Treina com uma cadeira, meu filho”, uma senhora me indicou.

Cruzei a cidade atrás de sambas. Voltei a Madureira inúmeras vezes. É o lugar que me une a minha avó, paulistana do centro de São Paulo.

O olhar para o samba continuava e continua o mesmo dos oito anos. O cabelinho que tem recebido novas formas – e perdido vários fios.

“A idade é braba. Nada de bola na corrida”, avisava Gaguinho, um dos craques do Aterro.

Por falar em futebol, estava estudando no estrangeiro, como diria meu avô mineiro, craque da sinuca e um tipo de Ruy Chapéu de Petrópolis. Assistia sozinho no refeitório um jogo entre LA Galaxy e mais um qualquer time daqueles.

“Você está torcendo por quem?”, perguntou Frederico, italiano da Sardenha.

Pro Fluminense. E pra Portela.

*

Em 2010, fui ao Maracanã ver Fluminense e Guarani. Era a primeira vez que pisava no Maraca sem meu pai, falecido quatro anos antes.

Em 2017, a Portela foi campeã, 20 anos depois da morte da minha avó.

*

O Rio é nosso. E todos temos uma sequência de histórias incríveis nessa cidade. Ela, com todos os seus defeitos, nos permite sonhar.
É duro muitas das vezes, claro que sei e vivo em certa maneira, mas ainda assim ela nos permite sonhar. Nem que seja por rápidos segundos.
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Isso é raro, acredite.

O Rio nos permite sonhar e dançar. Nem que seja como o Armstrong na Lua.