Publicado 06/07/2020 01:57 | Atualizado 06/07/2020 12:13
Nasceu uma liga anti-máscara. Você acha que foi na Barra da Tijuca? Não, foi em São Francisco, nos Estados Unidos, em 1919.
Negacionista, a turma estufava o peito para defender que o aparato não servia de nada no enfrentamento da gripe espanhola. Os casos aumentaram e a experiência se tornou exemplo daquilo que não deve ser repetido.
Quem participou virou piada. Não é para menos. Há 100 anos já havia informações suficientes sobre a importância dessa fácil proteção na luta contra esse tipo de vírus. Há 100 anos.
“Na noite desta sexta-feira, a Prefeitura do Rio, por meio da Vigilância Sanitária, interditou três bares por aglomeração, todos na Avenida Olegário Maciel, na Barra da Tijuca. Durante a fiscalização em um deles, as pessoas que estavam bebendo se negaram a deixar o bar e começaram a cantar uma música para os ficais, em coro: “Eu não vou embora”, escreveu a reportagem de O Dia.
Uma digníssima senhora chegou a dar carteirada em um fiscal dizendo que o marido era superior, afinal ele se formou em engenharia civil. "Cidadão não, engenheiro civil, formado", berrou.
Nos filmes do espanhol Luís Buñuel, muitos com roteiro do pintor Salvador Dalí, há cenas que constrangem, que embaraçam, que faz você não acreditar e, em seguida, tentar descobrir as mensagens subliminares. Do nada, um animal atípico pode aparecer. Do nada, um riso descontrolado em um momento inoportuno.
Admito que assisti as imagens da Olegário Maciel da mesma forma. Mesmíssima. Um péssimo filme inspirado, falo antes dos cinéfilos me xingarem pela comparação.
Será que aquelas pessoas estavam encenando uma macabra peça? Será que aquela cantoria é um manifesto de defesa à morte e nós não entendemos? Será que é um manifesto contra algum político que estava por ali? Será pegadinha de youtube trash? Será que isso aconteceria no Alemão, no São Carlos ou em um bar na entrada da Maré?
“Se eu pegar Covid-19 é problema meu”, defendeu-se um cidadão no twitter. O negócio, amigo, é você transmitir e matar. O negócio, meu nobre, é ocupar o leito daquele que está fazendo um esforço monstro para atravessar essa onda. O negócio, meu chapinha, é prejudicar o responsável pela vigilância, o médico, a policial, a enfermeira, que estão se desdobrando para tentar algum combate contra essa du-pla maluquice.
“Eu não vou embora” é um soco no estômago. É um soco no queixo de quem está saindo para tentar defender algum para casa, pegando ônibus, BRT e afins. É um soco no rosto daqueles que estão tomando um cuidado extra para aproveitarem um bar, um restaurante ou uma lanchonete. Usando máscara, claro. É um soco na alma daqueles que enterraram sem poder velar. Sem tchau. Sem nada.
Há a ideia distorcida que somos livres. Livres para fazermos o que bem entendermos. Não é isso que está na constituição. Temos leis, temos normas, temos deveres. Sei que a história e a dura realidade sugerem que, dependendo do CEP, do bolso e da raça elas não são iguais. O preto no branco, como dizem, sofre uma metamorfose de interpretações e ações.
O poeta Vinicius de Moraes, na ida para a Inglaterra, em 1938, escreveu “de repente do riso fez-se o pranto”. O “Soneto da Separação”, que inicialmente nos leva para um outro caminho, pode hoje ser lido como esse afastamento de alguns que nós não mais reconhecemos. É um Rio que se desgruda. É um Rio que se afasta. “Fez-se do amigo próximo o distante /Fez-se da vida uma aventura errante / De repente, não mais que de repente”, termina o poema.
A mureta da Urca está lotada agora.
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Generalizar não
Evidente que não são todos os moradores ou bares da Barra, ou da Urca, ou do Leblon, ou de qualquer bairro, que estão ignorando as normas.
Ainda bem.
Ainda bem.
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