Publicado 08/04/2022 06:00
Os líderes europeus têm tido dificuldades para enfrentar a crise e a guerra na Europa. Uma certa mediocridade e falta de coragem, ou excesso de prudência, caracterizou até agora a reação da União Europeia. Bruxelas não soube tratar das causas da crise na Ucrânia e a Europa está agora condenada a arcar com suas consequências. A poeira dessa tragédia ainda está muito longe de baixar, infelizmente.
Esmeram-se agora na ajuda humanitária e o mérito do esforço não pode ser questionado. Mas fazem-no para salvar a face ante o escândalo maior deste tempo. Governam povos que nos últimos 70 anos mais se manifestaram contra a guerra. Mas não foram capazes de os defender da guerra que, pelo menos desde 2014 germinava dentro de casa. As democracias europeias acabam de mostrar que governam sem maior consideração pelo povo.
Esta guerra estava a ser preparada há muito tempo pela Rússia como pelos Estados Unidos. No caso russo é notória a acumulação de imensas reservas de ouro nos últimos anos e a prioridade dada a parcerias estratégicas com a China, nomeadamente no plano financeiro, com vista à fusão bancária e a criação de uma nova moeda internacional, e no plano das trocas comerciais onde são enormes as possibilidades de expansão com a nova Rota da Seda.
Nas relações com os parceiros europeus, a Rússia revelou-se um parceiro credível, ao mesmo tempo que foi tornando claras as suas preocupações de segurança. Preocupações legítimas, se por um lado pensarmos que no mundo das superpotências não há bons nem maus, há interesses estratégicos. Foi assim na crise dos mísseis em Cuba com a linha vermelha posta por Washington a não querer mísseis de médio alcance a 70 km da sua fronteira.
Não se pense que foi apenas a União Soviética a ceder. Os Estados Unidos também desistiram dos mísseis de médio alcance que tinham na Turquia. Cedência recíproca, acomodação, acordo duradouro. Por que não foi possível o mesmo no caso ucraniano?
Os Estados Unidos buscam consolidar zonas de influência a todo o custo, que garantam facilidades comerciais para as suas empresas e o acesso às matérias-primas. A política do ‘regime change’ não visa criar democracias, apenas governos fiéis aos interesses norte-americanos. Não foram estados democráticos que emergiram das sangrentas intervenções no Iraque, na Síria, na Líbia e no Afeganistão.
Não foi para incentivar a democracia que incentivaram golpes que depuseram presidentes democraticamente eleitos em Honduras (2009), no Paraguai (2012), no Brasil (2016), na Bolívia (2019) para não falar do golpe de 2019 na Ucrânia. No caso da Europa, as estratégias dos Estados Unidos têm dois pilares: provocar a Rússia e neutralizar a Europa.
A Rand Corporation publicou, em 2019, um relatório elaborado a pedido do Pentágono intitulado “Extending Rússia”. Nele se analisa como provocar países de modo a que a provocação possa ser explorada por Washington.
No que respeita a Rússia, o texto diz “analisamos uma série de medidas não violentas capazes de explorar as reais vulnerabilidades e ansiedades russas como por meio de pressionar o exército e a economia da Rússia e o estatuto político do regime no país e no estrangeiro”.
Os passos analisados não teriam a defesa ou a dissuasão como objetivo principal, embora pudessem contribuir para ambas. Pelo contrário, tais passos são pensados como elementos de uma campanha concebida para desestabilizar o adversário, forçando a Rússia a competir em campo ou regiões onde os EUA têm vantagem competitiva, levando a Rússia a expandir-se militar ou economicamente, ou levando o regime a perder prestígio e influência nacional e/ou internacional.
É preciso saber mais para perceber o que se está passando no caso ucraniano. A Rússia provocada a expandir-se para depois ser criticada por essa decisão. A expansão da OTAN para o Leste, contra o que tinha sido acordado com Gorbatchev em 1990, foi a peça-chave inicial da provocação. A violação dos Acordos de Minsk foi outra peça.
Note-se que a Rússia começou por não apoiar a reivindicação da Independência de Donetsk e Lugansk depois do golpe de 2014 e preferiu uma forte autonomia dentro da Ucrânia, como está estabelecido nos Acordos de Minsk. Esses acordos foram desrespeitados pela Ucrânia com o apoio de Washington. Quanto à Europa o princípio é consolidar a condição de parceiro menor que não se aventura a perturbar as políticas de zonas de influência. A Europa tem de ser um parceiro fiável, mas não pode esperar reciprocidade.
Cesário Melantonio Neto
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