opina30novARTE KIKO
Publicado 30/11/2023 00:00
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“Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
Manoel de Barros
Quando entrei no Colégio Marista, em Patos de Minas, para fazer o científico, 1974, tomei um susto com o tamanho do prédio. Desacostumado com cidade grande, acho que nunca tinha tido contato com nada tão portentoso. Comecei a explorar as instalações. Maravilhado, abria as portas e ia conhecendo aquele mundo novo. De repente, um susto: abri uma delas e um cara bonito e garboso estava fazendo sexo com uma menina linda e muito nova. Ela estava sentada nele. Eles me olharam fixamente e ela deu um grito aflito. Olhei direto nos olhos deles e, calado, retirei-me.
Em seguida, já na sala de aula, recebi uma visita da orientadora educacional que avisou que o irmão reitor, o dito, queria falar comigo. Gentilíssimo, disse que tinha as melhores referências intelectuais sobre minha família e que queria ter uma interlocução comigo em nome dos estudantes. Conseguimos, a partir de então, fazer uma gestão democrática e compartilhada do que interessava. Ali, comecei a aprender o valor do
silêncio. Embora tenha ocupado o meu lugar na sociedade com o privilégio da fala (sempre disse que o que a vida me deu de mais significativo foi ter voz), aprendi que o silêncio tem, muitas vezes, força maior.
Neste momento, o Brasil passa por uma situação em que o silêncio passa a ser uma opção na crise entre o Supremo Tribunal e o Senado Federal. Só ouso falar por imprudência. Anuncia-se uma falsa crise, mas, na realidade, trata-se de uma séria disputa de poder. Nesse embate, os dois lados, e especialmente a sociedade e a Democracia, perdem.
O ministro Gilmar, decano do tribunal, em discurso no plenário do Supremo – sim, os ministros fazem discursos no plenário -, fez dura e pertinente observação sobre a oportunidade da PEC aprovada pelo Senado, motivo da celeuma. Com muita propriedade, ele reafirmou aquilo que venho escrevendo e falando ultimamente: o Judiciário foi o Poder que manteve a institucionalidade nos tempos recentes de crise.
Enfrentamos um Executivo fascista e golpista; um Congresso, em parte, cooptado, vendido, de ultradireita, omisso e submisso; e um Judiciário independente e corajoso. O STF e o TSE salvaram a Democracia. Ressaltando que a vida inteira fui um crítico forte do Poder Judiciário, em regra, patrimonialista, machista e conservador. Mas é necessário fazer justiça.
E afirmou o decano do Supremo Tribunal que chega a ser irônico que o primeiro gesto de bravura e independência do Senado mire exatamente a Corte Suprema. Um Poder Legislativo que abusou do silêncio, inclusive durante a pandemia. Os atos de força do então Presidente fascista tiveram somente no Supremo Tribunal a resistência democrática que abrandaram o caos. Inclusive, a instalação da poderosa CPI da Covid.
Foi o Supremo Tribunal que fez valer, monocraticamente, o direito constitucional da minoria no parlamento, em nome da maioria dos brasileiros. Uma discussão sobre o tema, com profundidade, fará bem à Democracia. Mas há formas melhores e propositivas de se discutir.
É claro que, já faz tempo, nós nos defrontamos com os excessos das decisões monocráticas dos ministros do Supremo. A do ministro Fux, impedindo a entrada em vigor da lei que instituía o Juiz de Garantias - o maior avanço do processo penal brasileiro -, chegou a doer de tão inapropriada. Uma lei que foi amplamente discutida com a sociedade e com os setores especializados, com inúmeras audiências públicas e que foi aprovada por larga maioria da Câmara e do Senado. Promulgada pelo Presidente da República, foi obstada por uma decisão monocrática desfundamentada, atentatória à soberania popular, afrontosa à independência dos Poderes e, aí sim, o mais grave, sem a submissão ao referendo do plenário da Suprema Corte, o órgão que tem o privilégio de errar por último.
Venho escrevendo, há tempos, sobre a necessidade de discutirmos os poderes que intitulei de “imperiais”. Seja dos presidentes do Senado e da Câmara, do procurador-geral da República ou das decisões monocráticas dos ministros do Judiciário, especialmente os do Supremo Tribunal. Uma discussão sobre o tema, com profundidade, fará bem à Democracia.
As tensões, na busca pelo poder, chegam às raias da hipocrisia ao tentar difamar o nosso sempre eterno líder Jaques Wagner, imputando-lhe um gesto indigno. Divulgaram que ministros do Supremo pediram a sua cabeça, o que seria um completo absurdo e inversão da independência dos Poderes. Como já disse, da tribuna do plenário da Suprema Corte: “o Supremo Tribunal pode muito, mas não pode tudo, porque nenhum Poder pode tudo”. 
Sem entrar nos embates jurídicos ou políticos, o fato de o senador Flávio Bolsonaro e da tal Bia Kicis terem feito manifestações maldosas a respeito, já nos dá a mais absoluta convicção de que o senador Jaques Wagner tinha seus motivos para votar, e reitero o meu respeito pelo seu posicionamento. Vamos ao debate democrático. Sempre nos lembrando do historiador britânico Lord Acton: “Todo poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

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