Publicado 04/07/2024 00:00
Meu genial Fernando Pessoa precisou, em certo momento da vida, fazer propaganda para ganhar a vida. A que fez para a Coca-Cola - absolutamente fantástica - poderia ser uma definição do Presidente Lula quando iniciou sua carreira política. O texto é simples: “Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se”. Era assim que a sociedade brasileira via o Lula, com um certo estranhamento. E era mesmo.
PublicidadeLembro-me de ter ido pegar um autógrafo do seu livro, no começo da trajetória política, mas já se afirmando como um líder, e ele disse: “não vou autografar Kakay com K e Y, é muito norte-americano”. E mudou meu nome escrevendo Cacai. Pode ter soado estranho, mas, à época, já estava entranhando em todos os cantos. E virou essa lenda viva que mudou o país e fez o Brasil ser respeitado em todos os foros internacionais. O Fernando Henrique tem estatura, cultura, charme e reconhecimento. Eu o respeito. Gosto dele. Mas faltou povo no rumo da prosa psdebista. E povo é o que identifica a trajetória do Presidente Lula.
Nunca tive partido político e detestaria fazer política partidária, mas é preocupante a falta de um nome para ocupar o pós-Lula. O Presidente me disse, na festa de comemoração da diplomação, em dezembro de 2022, na minha casa, que ele não queria mais ter sido candidato e que só foi porque era o único capaz de dar um basta ao governo do fascista que tentava a reeleição. Ou seja, ele foi, docemente, constrangido a ser candidato de novo. Um constrangimento adorável que nos salvou do abismo. Tivesse uma outra gestão Bolsonaro, o Brasil não conseguiria manter, minimamente, as estruturas democráticas. O bando bolsonarista saqueou o país. Inclusive, e principalmente, com uma determinação histérica de acabar com todos os princípios humanísticos.
O Lula, claramente, tem disposição, saúde, prestígio e o nosso apoio para ser candidato de novo em 2026. O país precisa disso. E vamos ganhar e nos distanciar mais do precipício. Porém, é necessário consolidar e fortalecer novas lideranças. Não pode ser algo gestado da cabeça do Presidente, que é gênio da raça, mas já não dialoga tanto e ouve muito menos. Quando estava no seu auge, tirou o nome da Dilma da cachola - uma mulher preparada, séria, competente e admirável -, mas a falta de política resultou em um impeachment covarde, ilegal e inconstitucional, pois não havia crime. Mas é um fato para a história.
Uma das bases estruturantes do crescimento da ultradireita no mundo, e no Brasil, não é diferente: afastar a política do cardápio democrático. O fortalecimento da extrema direita se dá, também, por uma política estruturada na mentira, no ódio e no desprezo pela política. Fazem política pregando desprezá-la. O discurso que consegue abduzir milhões de pessoas tem, em uma de suas fontes, a alienação, o obscurantismo e o fanatismo. Para esse caldo de cultura, tirar a política da mesa é uma estratégia importante. Nada é por acaso. No caso do fascismo, finalizá-la é absolutamente necessário para a manutenção dos grupos de apoio ao terror e à barbárie.
Tenho um olhar de fora, como democrata e observador. Fui advogado de 4 ex-presidentes da República, mais de 90 governadores, inúmeros ministros e senadores e convivo muito com a política. Nos finais de noite, nas mesas do meu restaurante Piantella, mítico e que deixou saudades, na época da redemocratização e das diretas, o ambiente respirava política. O Brasil queria se libertar das trevas. Buscava ar. Fazia política. Recordo-me de que o grande Nizan Guanaes sintetizou aquele período com uma propaganda que definia o movimento. Retratou um prato para baixo, para representar o Senado, e um outro para cima, para representar a Câmara dos Deputados. No meio, 2 copos de champanhe davam o desenho exato do prédio do Congresso Nacional. Emoldurando, a frase que simboliza os tempos que fazem falta: “Piantella: aqui situação é oposição sentam-se à mesma mesa”.
Saudades desse tempo no qual a política era o ingrediente mais forte para o fortalecimento da Democracia. Com o crescimento assustador da ultradireita, em vários lugares, o mundo ficará um lugar inóspito para morar. Mais conservador, mais moralista, mais sectário, com menos política social e com uma divisão mais nítida entre o rico e o pobre. Os invisíveis sociais tendem a ser cada vez mais excluídos. O racismo e a misoginia terão terra própria e adubada para crescerem.
Por tudo isso, precisamos ter uma estratégia para enfrentar o caos que se anuncia. E penso que a direita está crescendo de maneira predatória. É necessário um posicionamento dos democratas e dos humanistas. E, é claro, da classe política. Se deixar só nas mãos do Lula, poderemos andar algumas quadras atrás.
Lembrando-nos do Churchill: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes”.
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