Publicado 13/08/2025 13:24
Maria tem 32 anos de idade. Passou quase uma década no mesmo escritório de contabilidade. Era funcionária com carteira assinada, com horário fixo, benefícios e a previsibilidade que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sempre garantiu. No início de 2024, no entanto, decidiu trocar o crachá pelo próprio CNPJ. Tornou-se microempreendedora individual e, desde então, presta serviços para empresas e pessoas físicas. “Não é fácil”, admite. “Mas hoje ganho mais, organizo meus horários e posso cuidar da minha filha pequena sem pedir autorização”.
PublicidadeA história de Maria reflete uma tendência que vem se consolidando no país. Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em junho de 2025, mostra que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria, enquanto apenas 39% se sentem mais confortáveis em um emprego com carteira assinada.
Durante décadas, a CLT foi considerada o porto seguro do trabalhador brasileiro. O levantamento do Datafolha, entretanto, revela que 31% dos entrevistados aceitariam trabalhar sem registro formal, desde que o salário fosse maior — percentual que era de 21% em 2022. Ao mesmo tempo, caiu de 77% para 67%, entre 2022 e 2025, a proporção dos que ainda valorizam a carteira assinada mesmo recebendo menos.
Uma das principais causas dessa mudança é geracional. Entre jovens de 16 a 24 anos, 68% preferem ser autônomos, contra apenas 28% que optam pela CLT. Entre os entrevistados com mais de 60 anos, metade prefere o trabalho por conta própria, enquanto 45% ainda dão mais peso ao vínculo formal.
A pandemia de Covid-19 acelerou esse processo, ao mostrar que é possível trabalhar remotamente, quebrando o paradigma da jornada fixa de oito horas no escritório e reforçando o desejo por maior autonomia, mesmo que isso signifique abrir mão de alguns direitos trabalhistas.
O enfraquecimento do prestígio da carteira assinada não indica que os trabalhadores desprezem a proteção social, mas sim que o equilíbrio entre autonomia e segurança está mudando. Muitos estão dispostos a correr mais riscos, desde que haja a possibilidade de ganhar mais ou ter maior controle sobre o próprio tempo. Diante disso, não adianta negar a mudança: o poder público precisa reconhecê-la e formular respostas realistas.
É fundamental criar mecanismos mais simples e vantajosos para a formalização de autônomos e microempreendedores, fortalecer redes de proteção social adaptadas à nova realidade e investir em capacitação contínua, começando ainda na escola, para que a liberdade de empreender não venha acompanhada de vulnerabilidade econômica.
O Brasil vive uma transição silenciosa, mas profunda, nas relações trabalhistas. Entre o crachá e o CNPJ, cada vez mais brasileiros escolhem o segundo. O desafio é garantir que essa escolha não signifique trocar segurança por precariedade, mas sim transformar a autonomia em sinônimo de oportunidade.
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