Publicado 07/01/2023 06:00
O livro “Trinta Anos esta Noite – O que vi e vivi”, de Paulo Francis (1930-1997), tem o mérito de tratar a história republicana do Brasil por dentro, tendo tido acesso aos atores do período. Na segunda metade do século XX, foi um jornalista bem informado e polêmico. No programa Manhattan Connection, sempre gravado em Nova York, foi no fígado quando afirmou: “Se os brasileiros se interessassem um décimo (1/10 ou 10%) por política como se interessam por futebol, nós teríamos um país bem diferente e melhor”.
Pergunta: não teria sido o pesadelo republicano que nos levou à catarse do futebol? Pena que vai nos deixar sem resposta.
Ao nos falar das virtudes do Rio de Janeiro como capital e de ministros com ideias de jerico, ele nos informa que, na época, tais doideiras não vingavam pelas críticas que sofreriam de diferentes setores da sociedade, de empresários a profissionais de todas as áreas com que conviviam em bares e restaurantes. Já, em Brasília, só tem gente do governo, de eleitos a burocratas eternos. Um casulo. É notável a piora havida nas
decisões tomadas.
decisões tomadas.
Francis nos fala ainda das Forças Armadas e suas contradições internas. Militares que iam para os jornais criticar as decisões do governo Castello Branco. Grupos estatizantes a exigir empresas estatais para resolver os grandes problemas nacionais. Programa queridinho das esquerdas de sempre. Costa e Silva acabou levando a melhor. Foi ele quem disse a Roberto Campos que o guardião da moeda era ele. Não entendia nada do significado de termos, como agora, um Banco Central independente, a contragosto de Lula. Campos acabou saindo do governo.
Quanto aos equívocos foram dois. E refletem a desinformação reinante. O primeiro foi quando afirmou que Portugal não se opôs à instalação de Maurício de Nassau no Nordeste. Não foi bem isso. A região é que foi invadida pelos holandeses. Teriam sido os nativos que depois se opuseram, esquecendo que boa parte dos
resistentes aqui na época haviam nascido em Portugal.
resistentes aqui na época haviam nascido em Portugal.
O segundo foi quando citou, erradamente, Pedro I, que teria dito: “Tudo pelo povo, nada para o povo.” A citação correta é: “Tudo para o povo, nada pelo povo.”
Francis leu a frase e trocou a ordem dos fatores, sem se dar conta do absurdo que D. Pedro I teria dito. É como se não estivesse nem aí para o povo que ele mesmo tornou independente.
Francis não percebeu a sutileza da firmação correta, que dava combate ao populismo, sempre presente nas mortes da democracia denunciado por filósofos desde a antiguidade grega. Foi assim que Chaves e Maduro acabaram com a democracia na Venezuela em nome da própria democracia. Pelo jeito, Francis desconhecia o fato de Dom Pedro I ter o hábito de ler duas horas por dia relatado pelo historiador Otávio Tarquínio de Souza em seu texto clássico, em quatro volumes, sobre D. Pedro I.
Na verdade, Pedro I seguia as ideias liberais e tinha a preocupação de limitar o poder real, aqui e em Portugal, sem emasculá-lo completamente a ponto de deixar de ter instrumentos para impedir, sabiamente, que o populismo pudesse trucidar, mais uma vez, a democracia. O tempo lhe deu razão.
Gastão Reis é economista e escritor - Contatos: gastaoreis@smart30.com.br// ou gastaoreis2@gmail.com
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