Gastão Reis, colunista de O DIA divulgação
Publicado 21/01/2023 06:00
O polêmico Nelson Rodrigues, numa de suas crônicas, afirmou que o brasileiro tinha complexo de vira-lata. Um sentimento de inferioridade, de baixa autoestima. Parodiando Machado de Assis, em uma de suas crônicas sobre a conversa entre dois burros, cuja língua entenderia, ele nos relata a conversa entre eles sobre a chegada do bonde elétrico em suas vidas. Entendedor da fala dos animais, ele nos transmitiria o protesto do vira-lata em defesa de sua competência profissional como cão de guarda sempre alerta. Nessa ótica, a miscigenação brasileira mereceria um justo elogio do mestre rodriguiano.
O professor Carlos Lessa, economista e historiador, nos conta uma outra história. Em palestra, em Natal/RN, em 2010, ele nos garantia que o brasileiro manteve sua autoestima elevada ao longo do século XIX, tamanha era a respeitabilidade, interna e externa, do governo do Império. E as razões eram sólidas: regime parlamentar, respeito ao dinheiro público, inflação anual média em torno de 1%, controle do andar de cima via Poder Moderador, orçamento impositivo, cumprimento dos compromissos internacionais e homens públicos respeitados e elogiados por estrangeiros.
As leis abolicionistas, todas aprovadas por gabinetes conservadores, dizem muito sobre quem eles realmente eram. E aqui cabe um contraponto com Portugal, cuja língua nos irmana, e a questão da autoestima dos portugueses e a nossa. É fato que Portugal teve um longo período ditatorial de 48 anos, se somarmos a Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo de Salazar e Marcelo Caetano (1933-1974). Entretanto, a reestruturação político-institucional, iniciada com a Revolução dos Cravos (1974), em momento algum posterior, levou suas lideranças políticas civis a abandonar o parlamentarismo e a permitir que a presença política dos militares se tornasse permanente, como ocorreu no Brasil desde 1889.
Os portugueses não só conhecem muito bem sua própria História como dela têm orgulho. O livro de Roger Crowley, historiador da Universidade de Cambridge, intitulado “Conquistadores” tem como subtítulo “Como Portugal forjou o primeiro império global”. O poeta Fernando Pessoa nos diz o mesmo com outras palavras: “O mar com limites pode ser grego ou romano; o mar sem fim é português”. De fato, as grandes navegações foram uma proeza a seu tempo comparável à conquista da lua no século XX.
Mas não foi só isso. A bela moldura político-institucional mencionada no segundo parágrafo, herdada de Portugal, nos deu a receita que jogamos fora, restando-nos ficar à deriva nas muitas crises vividas pelo país. Passamos a apelar para soluções de força que expõem a ausência de ferramentas que já tivemos para resolver as crises dentro do marco legal com rapidez.
As últimas reviravoltas escancaram a sobreposição de um poder sobre os demais. A alardeada defesa da democracia não resolve a questão da autoestima em baixa, comprovada pela desconfiança da população em relação aos poderes constituídos, comprovada por reiteradas pesquisas. Tarda a hora de profundas reformas que mudem a percepção popular na direção por ela desejada.
Nota: Para assistir minha palestra sobre o tema deste artigo, digite no Google “O legado da herança do Luso-Afro-indígena até 1889 ” que vem no ato.
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Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira
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Gastão Reis é economista e escritor
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