Gastão Reis, colunista de O DIA divulgação
Publicado 30/12/2023 00:00
Na minha juventude, muito interessado em entender o que retardou o desenvolvimento do Brasil, saí em busca de explicações para nossa perda de posição relativa face aos países desenvolvidos. E até mesmo daqueles que estavam aquém de nós e nos ultrapassaram, como a Coreia do Sul. Ainda me recordo do livro de Vianna Moog, "Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas", em que me debrucei ávido para entender o drama. A essência do livro era que o Brasil teria sido uma colônia de exploração ao passo que os EUA se caracterizaram por ser uma de povoamento.
Mais de meio século se passou desde então, e novas pesquisas foram desmontado tais explicações apressadas, sem base em números e investigações, sobre o que realmente aconteceu. O Brasil não foi uma colônia de exploração que se atrasou em função da ganância dos portugueses em nos extorquir tudo que podiam. (Inclusive do catolicismo). Mesmo no caso do ciclo do ouro, com o imposto do quinto, que ia para a Coroa portuguesa, é bom lembrar que 80% do ouro aqui ficava, fora o que escapava ao seu controle via contrabando. Ou seja, o percentual de 80% permanecia aqui. E dos 20% restantes, parte significativa era destinada a cobrir custos da administração lusitana local.
Mas não foi só isso. Brás Cubas, um nobre português, em 1543(!), fundou a primeira Santa Casa da Misericórdia em Santos-SP auxiliado pelos prósperos moradores da região, onde era dado atendimento hospitalar gratuito a quem precisasse sem exclusão de índios e escravos. Ao chegar ao Brasil, Dom João VI trouxe com ele cerca de metade do meio circulante português em dinheiro vivo e, ao retornar a Portugal, repatriou apenas 50 milhões de cruzados. Ou seja, dos 200 trazidos, 150 milhões foram aqui aplicados em obras e melhoramentos, que mudaram a cara do país. Episódio único no mundo entre metrópoles europeias e suas colônias. Onde a colônia de exploração?
Como país eminentemente católico até meados do século XX, visão de mundo que permeou nossa história por séculos, é mais que relevante o artigo publicado, em 20/12/2023, intitulado "Uma ética errada", pela economista Deirdre McCloskey, ex-professora de História Econômica na Universidade de Harvard e atualmente de Economia e História na Universidade de Illinois. O foco do artigo é o livro "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", do sociólogo alemão Max Wener (1864-1920), considerado uma das grandes obras do século XX. Ela recomenda sua leitura e nos informa que muitos brasileiros ainda acreditam na afirmação feita por Weber, em 1905, de que o espírito do "capitalismo" moderno veio do protestantismo. Só que está errado.
Ela faz a ressalva das muitas afirmações corretas de Weber, como a de não ter havido ganância e de que algo do tipo "capitalismo" é muito antigo. Em outras palavras, mercado é coisa muito velha desde a Grécia clássica e Roma. A falha gritante de Weber foi dizer que, sem o protestantismo, em especial sua cruel versão calvinista (Deus teria predileção pelos ricos...), "o mundo moderno, economicamente falando, não teria existido", nas palavras de McCloskey.
Para ela, tal "hipótese está totalmente errada, embora possa ser reconfortante para quem procura uma explicação simples para o fato de o Brasil não ser tão rico como a Alemanha". Herdeira da tradição inglesa de dar atenção aos números, McCloskey nos revela que o sul da Alemanha, católico, é a parte mais rica do país. Diz mais. Um terço dos empresários de Amsterdã em sua era de ouro eram refugiados católicos espanhóis. Ou seja, os católicos trabalham tão duramente quanto os protestantes, mas sabem aproveitar mais a vida.
No último parágrafo de seu artigo, McCloskey conclui que "o protestantismo evangélico não é a solução econômica para o Brasil. O bom senso é". Analisemos a questão do bom senso, que vem nos fazendo falta em larga escala.

A revirolta nas últimas décadas decorre de várias pesquisas, produzidas aqui e no exterior, que vêm desmontado nossa história tradicional consolidada. No plano político-institucional, cada vez mais visto como fator determinante do desenvolvimento sustentado de longo prazo, uma das mais interessantes foi a do Prof. William Summerhill. Ele escrutinou as atas da Câmara dos Deputados para avaliar o desempenho dos partidos Conservador e Liberal na última década do Império. Queria saber se tinham programas e se votavam de acordo com eles. Ambos os partidos passaram galhardamente no teste. Claro que os atuais seriam reprovados, com uma única exceção.
No plano econômico, saímos de uma visão desinformada de que nossa renda real per capita teria tido um crescimento pífio ao longo do Império para outra, conduzida pelos Professores Bacha, Tombolo e Versiani, que comprova termos acompanhado o desempenho do resto do mundo no período 1820 a 1889, exceto o
dos EUA, que foi único. E sem recorrermos ao fato de que o orçamento do Império, de 1840 a 1889, decuplicou e a população apenas dobrou com uma inflação média anual em torno de 1%. A estreita relação entre orçamento e renda nacional reforça a conclusão de Bacha, Tombolo e Versiani. Por este critério, até ultrapassaria a taxa anual de 0,9% de crescimento da renda real per capita calculada por eles.
A conclusão maior é que, se o Império foi bem-sucedido nos planos político-institucional e na economia, é forçoso reconhecer que o catolicismo, diferentemente do que afirma Max Weber, não foi um obstáculo ao desenvolvimento do país. O que veio com o golpe militar de 1889 foi o desarranjo institucional, este sim, impeditivo do crescimento sustentado de longo prazo, como apontam as modernas pesquisas. Pior: o
simples fato de estarmos, nas últimas quatro décadas, tendo um crescimento pífio de nossa renda real per capita corrobora nossas agudas insuficiências institucionais responsáveis pela marcha lenta que travou o país.
E vão aqui meus votos de um próspero Ano Novo.
Digite no Google: "Dois Minutos com Gastão Reis: Economia Esquizofrênica". Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=_jqMlxDReBA.
Gastão Reis
Economista e palestrante
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