Publicado 27/04/2024 00:00
É fato reconhecido a adoção da política de embranquecimento no início de nossa desastrada experiência republicana, agravada pela nova estrutura político-institucional disfuncional presidencialista. O pano de fundo original do embranquecimento pode ser detectado numa frase pouco conhecida de Francisco Glicério, general honorário do exército brasileiro, fundador e depois presidente do Partido Republicano, criado em
1870. Curto e grosso, afirmou: "Nosso objetivo é fundar a república, e não libertar os escravos". A palavra "nosso", no início da frase, revela que não era só ele que pensava assim. Os demais (e poucos) republicanos à sua volta, com certeza, assinavam embaixo. Em outras palavras, manter a desigualdade e o racismo.
Publicidade1870. Curto e grosso, afirmou: "Nosso objetivo é fundar a república, e não libertar os escravos". A palavra "nosso", no início da frase, revela que não era só ele que pensava assim. Os demais (e poucos) republicanos à sua volta, com certeza, assinavam embaixo. Em outras palavras, manter a desigualdade e o racismo.
Tal visão se coaduna perfeitamente com os tempos iniciais da república, com merecido "r" minúsculo, ao ser posta em prática a política de embranquecimento. Ou seja, era preciso embranquecer o País para que ele pudesse alcançar novos patamares de civilização e desenvolvimento. Sua comprovação foi demonstrada pela Profª Maria Lúcia Rodrigues Müller, doutora em Educação pela UFRJ e coordenadora do Núcleo de Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Suas pesquisas e trabalhos acadêmicos jogam por terra mitos cultivados há décadas.
Um deles é que, após mais de 130 anos de liberdade, em suas próprias palavras, "os negros não teriam tido tempo de recuperar o atraso". Outro é que "os negros só muito recentemente chegaram à escola, razão pela qual a maioria das pessoas de cor se encontraria nos patamares inferiores da vida nacional". Em artigo publicado no jornal O Globo, "Cadê a elite negra na educação?", em 5.12.2008, ela se reporta às fotografias mostradas no livro "A cor da escola – imagens da Primeira república".
O fato notável nestas fotos, do início do século XX, é a presença de professores negros e mulatos, inclusive como diretores e vice-diretores, no Rio de Janeiro e em Mato Grosso. Eles chegaram a compor cerca de 20% dos quadros do magistério nestes estados. A partir do final da década de 1920, essas fotografias de formatura vão embranquecendo, quase desaparecendo a presença de professores negros e mulatos,
inclusive alunos da mesma cor.
inclusive alunos da mesma cor.
É sintomático que essa esmaecida presença negra e parda nas fotos tenha se dado justamente no período mais agudo do discurso eugenista, que, de certa forma, encobria o racismo. A gravidade desse enquadramento mental dispensa comentários a respeito de seus efeitos deletérios posteriores na queda da presença da população negra e parda nos bancos escolares, corrosiva inclusive da autoestima desta mesma
população.
população.
Essa visão se somou à do engavetamento, no início da república, da proposta do Visconde de Ouro Preto, último primeiro-ministro do Império, e da Princesa Isabel, que previa o assentamento de libertos ao longo das ferrovias, cuja malha era considerada uma das maiores do mundo de seu tempo. Barrar o acesso a bens de raiz, como a terra, e ainda limitar o acesso da população de origem africana à educação pública de qualidade era a receita certa para dar errado. Impedia, em dupla pinça, que descendentes de escravos pudessem ascender em termos de renda, melhores empregos, ou como empresários e profissionais liberais. Resultou, de fato, no crescimento da desigualdade.
A historiografia econômica consolidada, aparentemente, poderia ser um argumento favorável à imigração europeia ao dar respaldo ao baixo crescimento da renda real per capita ao longo do Império. Era como se a colonização luso-afro-indígena não tivesse dado certo. O economista Gustavo Franco deu corda, de certa forma, a esta visão no artigo publicado em O Globo e no Estadão, em 27.01.2019, intitulado "A Visão do Precipício", onde ele afirma que, de 1820 a 1900, a nossa renda real per capita cresceu apenas 5% em todo o período.
A historiografia econômica consolidada, aparentemente, poderia ser um argumento favorável à imigração europeia ao dar respaldo ao baixo crescimento da renda real per capita ao longo do Império. Era como se a colonização luso-afro-indígena não tivesse dado certo. O economista Gustavo Franco deu corda, de certa forma, a esta visão no artigo publicado em O Globo e no Estadão, em 27.01.2019, intitulado "A Visão do Precipício", onde ele afirma que, de 1820 a 1900, a nossa renda real per capita cresceu apenas 5% em todo o período.
Tal disparate mereceu uma réplica minha, "O Precipício da Visão", publicada na Tribuna de Petrópolis (05.02.2019) e no próprio Globo (11.02.2019), este na edição digital, com outro título sem minha autorização. Eu me vali para responder da fundamentada pesquisa, de 2013, de Tombolo, A. G. & Sampaio, A. V., sobre "O PIB brasileiro nos séculos XIX e XX". Estes autores nos revelam que, de 1820 a 1875, o
crescimento do PIB real per capita foi de 1,21% ao ano, ou seja, quase dobrou no período. E mais 17% até 1889. Ou seja, os tempos da colônia e do Império fizeram, portanto, seu dever casa.
crescimento do PIB real per capita foi de 1,21% ao ano, ou seja, quase dobrou no período. E mais 17% até 1889. Ou seja, os tempos da colônia e do Império fizeram, portanto, seu dever casa.
Diplomatas brasileiros, também historiadores, habituados por dever de ofício a consultar as fontes, como Helio Vianna, Boris Fausto, Oliveira Lima e Heitor Lyra, foram unânimes em reconhecer o bom desempenho do Império na economia. O orçamento do Império decuplicou entre 1840 e 1889, o que confirma avanço semelhante do PIB. Ora, se a população apenas dobrou nestas quase cinco décadas, é impossível que o
crescimento da renda real per capita tenha sido tão medíocre como nos diz a historiografia econômica consolidada.
crescimento da renda real per capita tenha sido tão medíocre como nos diz a historiografia econômica consolidada.
Edmar L. Bacha, Guilherme A. Tombolo e Flavio R. Versiani contra-argumentam que estas conclusões estão baseadas em métodos inadequados e em evidência estatística insuficiente em sua sólida pesquisa intitulada "Estagnação Secular? Uma nova visão sobre o crescimento do Brasil ao longo do século XIX". E nos informam que o crescimento da renda real per capita ao longo do Império foi de 0,9% ao ano. Bem mais em linha com a visão de nossos diplomatas historiadores, e com a taxa de crescimento do mundo de então.
Fica o sabor de uma república que se envergonhava de seu próprio povo e que, de caso pensado, lutou a favor da desigualdade, bem diferente do Império com as leis abolicionistas, que puseram fim à escravidão, e deram um passo gigantesco no combate à desigualdade.
Não vai aqui nenhuma animosidade à imigração europeia e de outras etnias, dada a inegável contribuição que deram ao nosso desenvolvimento. Poderia ter sido maior ainda se o Brasil republicano fosse um país bem resolvido em termos político-institucionais como foi o Império.
Digite no Google minha palestra "O legado da herança luso-afro-indígena até 1889". Ou no link: https://www.youtube.com/watch?v=uuLxB3Mysns&t=145s.
Gastão Reis
Economista e palestrante
Economista e palestrante
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