Publicado 21/05/2022 00:00
O botequim da Dona Maria era o point. Rua Borja Reis, esquina com Monteiro da Luz. Monteiro da Luz é aquela rua que vai para o presídio de Água Santa. O point era às cinco horas da tarde, o bar estava cheio, diariamente. Por quê? Porque chegavam as pessoas do trabalho e ficavam jogando pôquer. Só que ocupavam todas as mesas, e os biriteiros reclamavam que não tinham onde sentar. Dona Maria era uma portuguesa analfabeta de pai e mãe, casada com um outro português que vamos chamar de Guto para não identificá-lo. Só que os fregueses eram muitos e ocupavam as mesas no interior do bar e na calçada. Os biriteiros se sentiam mal chegados. Não tinha vaga para eles.
Eu chegava do trabalho de terno e gravata. Do meio da rua, gritava: "Dona Maria, tem uma cerveja para mim?" Ela responde, com aquele velho sotaque português: "Oh, gajo, chega mais. Pode tirar a gravata. Você está em casa. Queres comer um feijão?" E eu respondo: "De preferência com farinha e pimenta". Isso foi em 1972. Agora, a Linha Amarela veio e derrubou o bar do Guto, que era conhecido como o botequim da Dona Maria. Aí acabou o point. Os amigos se separaram, não tinha mais o jogo do pôquer, não tinha mais o cachaçal e eu não tinha mais o feijão com farinha. Aí eu tinha que ir para o botequim em frente, que só tinha cachaça e pimenta. Era o Bar do Pimenta. Lá tinha torresmo, cachaça e limão, com cachaça.
Eu pegava o carro, subia a ladeira, vinha para casa, mas aí chegavam os amigos que não estavam no bar. Já ia logo alimentar o Cão (era o meu cachorro). Antes, eu tinha passado na Chave de Ouro para comprar um angu. Os amigos eram o Zero e o Temístocles (nome de batismo do Juvenal, gago, bebedor de cerveja preta, comedor de torresmo e que pedia para todo mundo chamá-lo de Juvenal). Um mulato de 1,90m de altura que se chamava Temístocles, nome de um general grego. O Zero ia embora para casa dele, e o Temístocles também. E eu vinha tomar meu banho reparador. E dividir o angu com o Cão.
No dia seguinte, cheguei cedo à Avenida Presidente Vargas. Hélio Rocha trabalhava na Folha de S. Paulo. Ele tinha pego tinta e escrito na Avenida Presidente Vargas, na pista lateral de subida: FSP. Era o estacionamento exclusivo do jornal. Mas eu chegava mais cedo e parava na vaga dele. Eu saía com o meu terno Pierre Cardin, ia trabalhar, encarava o Palácio da Justiça para ver quem estava preso, quem iria ser preso e se eu não estava devendo a pensão alimentícia.
Eu tinha uma namorada, que fazia curso de assistente social na Faculdade Gama Filho, na Piedade, e eu a encontrava para levá-la em casa e voltar para o botequim da Dona Maria. Para começar tudo de novo. Chegando em casa, o Cão já aguardava o angu para a gente dividir. Só que o Zero entrou no meu portão, trouxe uma garrafa de cerveja e repartimos o angu com o Cão. Mas o Cão não gostou da divisão.
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