Publicado 30/07/2022 00:00 | Atualizado 30/07/2022 09:24
Foi meu primeiro benefício, ou o "troco", que recebi como aposentado do INSS. Não esqueço jamais. O primeiro, de qualquer coisa, a gente não esquece. Concordam? A fila estava bem sortida de coroas (não vou chamar ninguém de velho). Homens e mulheres, a maioria amanheceu na porta do Unibanco, no Méier. Fevereiro estava bem quente. Eu, que cheguei mais tarde, estava na última posição. Mas, todos os que ali
estavam, suavam torcendo para a pequena agência abrir. Não haviam inventado o caixa eletrônico. O pagamento era feito na boca do guichê.
estavam, suavam torcendo para a pequena agência abrir. Não haviam inventado o caixa eletrônico. O pagamento era feito na boca do guichê.
O papo entre os aposentados e pensionistas, como sempre, era sobre o governo. E não importava qual governo. Misturavam federal, estadual, municipal e outros que surgissem. O negócio era esculhambar todos! Eu? Quietinho, procurando ficar invisível. Até porque, vi um morador da minha área, uns 30 metros de distância, bem mais à frente.
Inevitável tentar ficar longe das conversas. A todo instante eu era cobrado de opinião. Continuei calado. Não existia celular, com o qual poderia tentar disfarçar e falar com alguém imaginário. Mas, continuei calado, olhando sempre para ontem. Nos primeiros quinze minutos na fila, resisti entrar nas conversas. Cheguei ao ponto de, por sinais, avisar parte do grupo que estava mais próximo a minha deficiência irreversível: surdo e mudo.
Inevitável tentar ficar longe das conversas. A todo instante eu era cobrado de opinião. Continuei calado. Não existia celular, com o qual poderia tentar disfarçar e falar com alguém imaginário. Mas, continuei calado, olhando sempre para ontem. Nos primeiros quinze minutos na fila, resisti entrar nas conversas. Cheguei ao ponto de, por sinais, avisar parte do grupo que estava mais próximo a minha deficiência irreversível: surdo e mudo.
Ih, pareceu rastilho de pólvora. Em poucos minutos, acredito, todos na fila já sabiam que eu não tinha condições de participar da conversa-debate. O problema era o quase vizinho, na fila mais adiante. Consegui, entretanto, que ele não percebesse minha presença, tudo para preservar meu disfarce. Assim, fiquei livre do papo irritante sobre política e acusações absurdas.
Ufa, umas duas horas se passaram e consegui chegar no guichê. Recebi o esperado dinheiro, me assustei com o valor. Procurei o gerente, Garcia, para saber se havia um meio de evitar a fila mensalmente. Sorriu e me mostrou uma cópia do requerimento ao INSS: - Preencha, vá até ao posto da Previdência aqui perto, e solicite o depósito em sua conta corrente, que vou abrir agora.
Ufa, umas duas horas se passaram e consegui chegar no guichê. Recebi o esperado dinheiro, me assustei com o valor. Procurei o gerente, Garcia, para saber se havia um meio de evitar a fila mensalmente. Sorriu e me mostrou uma cópia do requerimento ao INSS: - Preencha, vá até ao posto da Previdência aqui perto, e solicite o depósito em sua conta corrente, que vou abrir agora.
Abri a conta, depositei todo o dinheiro recebido e parti para a repartição. No bar, ao lado do banco, pedi um chope, com bastante colarinho. Diante da fila, que ainda se estendia, ergui o copo o saudei a todos: -Saúde, resignação e paciência, amigos!
Acredito que poucos entenderam. Houve certo espanto e ainda escutei uma senhora exclamar: - O velho não é surdo e mudo. Tava fingindo. Safadinho, heim? - Ancião, com chapéu de vaqueiro, foi mais longe:
- Pode ser espião do governo...
- Pode ser espião do governo...
Já no posto do INSS, funcionária me recebeu, entreguei o pedido para depósito em conta corrente. A única pergunta dela: - Pra que conta corrente ? - Não me contive: - Menos um velho na fila. - Consegui o depósito em conta corrente. Adeus filas.
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