Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco
Publicado 10/12/2022 06:00
Corria o ano de 1979, trabalhava usando terno e gravata, me barbeava diariamente e mantinha o corte dos cabelos em dia. A exigência do terno era terrível. Como contestador, usava um de brim, azul bem escuro, que mandei fazer sob medida. Claro que chamava a atenção.
Pouco ligava. Afinal, estava usando a fatiota completa. Não me irritava com comentários do chefe. Pior: acabei lançando a moda entre companheiros da labuta. Parecia meio rebelde quando aparecia dirigindo o Gurgel X12, modelo conversível, de 1978. Evidente que, usando a roupa tipo passeio completo, não combinava com o veículo. Ninguém sabia que me inspirei na Ducal, que lançou a roupa com duas calças. E tinha as duas ! Daí, amigos, o nome Ducal. Entenderam ou lembram?
Aparecia, a trabalho, em entrevistas de políticos, de delegados, de procurados pela Justiça, ou chacinas na Baixada Fluminense. Passeio completo, de brim. Na época, a presença em solenidades, missas ou enterros, exigia o traje. Ah, não esquecendo o trabalho.

A gravata era um item importante. Em uma ida até Roma, a trabalho, no início da década de 1970 - foi na prisão de Tommaso Buscetta, mafioso preso no Brasil e deportado - aproveitei e comprei meia dúzia. Foi caro. Mas, fazia sucesso.
Uma delas, se não me engano, cor vinho, presenteie um amigo, o Ubirajara Moura, anos depois. Acho que ele gostou. Mas, o ornamento atraia a atenção das pessoas. Era um senhor contraste. Creio que as pessoas não entendiam a mistura do brim - geralmente associado à calça de cowboy - com a peça italiana. Coisas da vida.
Em um jantar social, em Copacabana, patrocinado por um deputado federal, sai do trabalho direto para o encontro. Claro, com a roupa e a gravata. O tal político, após o comes e bebes, me chamou em um canto para perguntar onde eu conseguia a roupa e a gravata. Esnobei: "Mandei fazer tudo na Europa, em um alfaiate, em Milão". E o cara acreditou. Arrependido, contei a verdade. O cara quase não acreditou.

Ora, meu alfaiate era um amigo, que morava na Rua Torres de Oliveira, pertinho do Morro do Dezoito, aqui na Água Santa. O cara era um mestre na costura. Morreu tísico, poucos anos depois de entregar minha última encomenda. Também, em homenagem a ele, nunca mais procurei outro alfaiate. Sempre comprava ternos prontos.
E, anos depois, a exigência do passeio completo foi caindo de moda. Já vi gente, homens e mulheres, usando bermudas em enterros. Como já vi um homem, usando pijama, na fila do banco. Bem, as calças de 1979 acabaram. O paletó, amigos, tá guardado no armário. Desbotado e quase esquecido. Vez por outra, como agora, "descubro" ele. E lembro daqueles anos em que ele brilhou.
Certa ocasião, vesti para me agasalhar de um tempo frio, meio chuvoso, quando estava cuidando do quintal aqui da caverna. Bolas, fiquei chateado comigo. Como usar tal vestimenta para cuidar do quintal? O paletó me acompanhou em tantas ocasiões solenes para, em um desleixo meu, acabar na varrição do quintal ? Achei um desrespeito. Mandei lavar a peça e guardei novamente. É como usar um sapato feito pelo Motinha, sob medida, e usá-lo para jogar pelada. Cruz credo. Hoje ele está lá, no armário. Serve para recordações, pelo menos.
Foi o que aconteceu hoje. Me respondam: quem não tem guardado um mimo dos bons tempos?
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