Publicado 05/08/2023 00:00
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Mais magro do que a fome. O apelido dele era Caveira, Jorge Caveira. O alcoólatra mais educado que conheci. Era o bêbado gentlemam. Amanhecia e anoitecia no bar da dona Maria, aqui, na confluência das Ruas Borja Reis, Monteiro da Luz e Pompilho de Albuquerque, onde num passado ainda mais distante ficava Três Vendas. Fidalgo da melhor estirpe, quando se dirigia a alguém, Caveira tirava o velho chapéu em sinal de respeito e cumprimentava a todos que passavam ao largo dele. E também conversava sobre todos os assuntos, embora pouco falasse. O sorriso no rosto dava a impressão de que concordava com a opinião de seu interlocutor fosse qual fosse o colóquio. Acho que ele nasceu para político ou diplomata. Diziam que era biscate, mas não sei o que vendia e nem quando isso acontecia. Nunca vi ele pedir um tostão que fosse para molhar o gargalo.
Soube, lá pelas bandas de 1990, que ele sumiu. Tentei achar e não consegui. Mas também, a referência dele era o bar, que se foi na poeira das obras da construção da Linha Amarela, a estrada que aproximou dois pontos cardeais da cidade, mas afastou dali parte das casas e o comércio da região.
Agora aqui é a Saída 2. Os velhos amigos sumiram. Mas ficou a Maria, a dona do bar. Ela era meu banco de investimentos. Bem simples: eu deixava meu dinheiro com ela e aí não precisava passar cheques. Ela descontava o meu fiado da comida, do cigarro e da bebida. O saldo era bem módico, mas dava para as minhas outras poucas despesas.
E, quando alguém do bar, os fregueses de coração, era preso, ela me já procurava: - O Luar, prenderam o Caveira! - ou, como na época era fato corriqueiro: - Deram uma vadiagem no fulano! Lá ia eu, ligar para o delegado de plantão: - Doutor, prenderam o cara que alimenta o meu porco. Solta ele, por favor. Ele não é bandido. Se meu porco não for alimentado, vou arranjar uma encrenca.
Bom lembrar que, naquela época, as prisões por vadiagem valiam como premiação para os policiais. Ih, quase esqueci! Os suspeitos que eram detidos, por exemplo, nos dias de Carnaval, ficavam expostos para que os trabalhadores que desembarcavam na estação ferroviária da Central do Brasil pudessem ver, ao vivo e em cores, quem estava preso na tarde seguinte. E ainda tinha um "tira" que comprava presos de outras delegacias. Esse policial, na manhã seguinte, chamava a imprensa para mostrar quantas prisões aconteceram na noite anterior.
E naquela época, asseguro, a vadiagem, artigo 59 da Lei de Contravenções Penais, era a infração mais comum das delegacias, disputando apenas como o artigo 62, pasmem, da embriaguez.
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