Publicado 06/07/2024 00:00
Esses dias frios de inverno parecem estreitar os laços de amizade e aguçar a memória. Por conta do frio, a reunião do Conselho de Veteranos foi realizada ao lado do fogão movido a lenha. Todos juntinhos, um do lado do outro, ao redor da mesa estreita, e abençoada pelo calor. Eu observava a fumaça que subia da chaleira do café, enquanto a patroa tirava uma fornada de pães de queijo. A reunião seguia meio sem muito assunto, quando Júlio puxou a conversa:
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— Vocês lembram da chácara do meu pai? — perguntou, dando início ao tema da semana.
Antigos moradores do planeta Terra e de Água Santa, todos lembramos do estabelecimento do seu Francisco, onde eram produzidos legumes, verduras e até algumas frutas. O terreno era enorme, ficava no final da Rua Dois de Fevereiro, dando fundos para a Rua Eulina Ribeiro, uma área de quase dois campos de futebol.
Na época de estação, o cheiro da manga atravessava a região. Ali, era possível comprar o produto no pé.
Quem chegou por essas bandas, depois do século XX, já na Era dos supermercados, não deve saber que aqui foi o território das chácaras. Tinha aqui perto também, a do Seu Manoel, um português calado, tipo sisudo, mas boa gente e muito trabalhador. A chácara dele ficava também em outro terreno enorme, que ia desde a Rua Borja Reis até Rua Monteiro da Luz, onde ainda não existia o presídio Ary Franco.
Aliás, aqui também era a terra dos aquíferos, formando uma região de chácaras e rios. Com o tempo, essas roças maravilhosas foram desaparecendo, e os rios foram sendo canalizados para dar lugar a esses conjuntos habitacionais.
As chácaras da Rua Violeta também desapareceram, mas o local escapou da saga imobiliária, porque ali passam as linhas de transmissão de energia da Light. Do lado oposto dos terrenos, onde só havia brejo, hoje está assentado um conjunto enorme de casas, que foi batizado de Bairro Dadur.
Tínhamos também nossa escola de samba exclusiva, a Unidos de Água Santa — sob a batuta do falecido amigo Quirino, que tinha cadeira de engraxate no Fórum — desfilava nas ruas da região, disputando títulos com várias agremiações locais, inclusive a do Arranco do Engenho de Dentro, onde eu desfilei pela primeira e única vez na minha vida. Mantendo a tradição, sai vestido de índio. A quadra da Unidos de Água Santa, ficava próxima onde hoje está o presídio, mas, assim como a maioria das chácaras, desapareceu dando lugar a mais um conjunto habitacional.
A chegada do concreto da urbanização tirou daqui muito da paisagem, embora esse seja ainda um dos poucos bairros cariocas com a cara do subúrbio. Outra diversão era correr para a Chave de Ouro, pertinho, para ver o Bloco da Quarta Feira de Cinzas, proibido e que desafiava a PM todos os anos. Terrível foi oficializar o bloco: acabou no ano seguinte porque deixou de ser proibido.
Júlio concordou: — O passado deixou saudades...
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