Publicado 12/10/2024 00:00
Boas lembranças surgiram no período eleitoral. O documento, o título, não estampava a foto do cidadão. Era de papel. Lembram? Após votar, o eleitor recebia o documento com carimbo e assinatura do presidente mesário, e pronto. Detalhe importantíssimo, em todo o país ficava valendo a proibição da venda e consumo de bebidas alcoólicas, apelidada como Lei Seca. A saída para os bebedores era a de estocar os produtos em casa. Bem, em quase todos os casos.
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Eu tenho na memória a eleição do início dos anos 80, quando o chefe de reportagem do velho JB me destacou para cobrir a votação na favela do Jacarezinho. Na entrada da escola que abrigava várias zonas eleitorais, em frente a um campo de futebol, estavam dois ou três policiais militares. Tudo correndo em absoluta tranquilidade. Do lado oposto do campo, uma birosca, com o som de músicas populares, vendia as bebidas. Um pouquinho mais para a direita, um ponto de venda de drogas, funcionando a todo vapor. Nada de proibição. Fiquei matutando maneira de burlar a tal lei.
De volta para casa, já sem a gravata e paletó, parei no bar da dona Maria, ponto de encontro dos amigos no trecho conhecido como Três Vendas, e me juntei aos vizinhos e amigos. O Fred já morava na área. Por ser estrangeiro, não votava. Por isso mesmo, se sentia um dos mais prejudicados pela dureza da tal lei. Bolas, domingo de calor, em pleno bar e sem cerveja. Um senhor castigo. Eu votava na sede do Jardim Zoológico, na Quinta da Boa Vista.
Então, quando cheguei ali já tinha exercido a minha obrigação moral de votar. Foi quando a luz salvadora iluminou minha mente. Chamei dona Maria para uma conversa na cozinha do estabelecimento e mostrei meu velho título eleitoral, datado, assinado e carimbado. E fui direto ao assunto:
Dona Maria, deixa a turma que já votou beber. É só conferir o documento e ver quem já cumpriu com o dever cívico!
Ela perguntou: onde vou esconder vocês para beberem sem a polícia descobrir?
Fred, o suíço bem organizado, e sedento, se meteu na conversa e deu seu recado: faremos uma barreira com caixas das cervejas, e beberemos tranquilos, sem chamar a atenção das autoridades.
Alguns dos amigos daquela festa cívica já não andam mais por aqui, mas sempre são lembrados nas reuniões da caverna. A Lei Seca se foi para a maioria, menos para mim, que estou em dieta. O ponto de encontro, após o cumprimento do dever cívico, passou a ser aqui no Principado. Depois, da urna, a fuzarca.
Na ausência do álcool, desta vez, a patroa me serviu de suco de acerola. (Horrível)
Virei alvo de gozação.
Quem sabe, um dia, ainda poderei voltar a sentir o paladar daquelas cervejas, estupidamente geladas, idênticas às servidas no bar da dona Maria. Mas não lá. Esqueci de dizer, o bar foi demolido para a construção da Linha Amarela.
Hoje em dia, estaríamos na Saída 2.
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